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É ilegal a recolha de dinheiro para pagamento dos dias de greve?

O início do ano de 2023 tem sido marcado pela intensa onda de greve dos professores. No âmbito deste movimento grevista, surgiu uma questão jurídica relevante: é admissível que os professores angariem dinheiro entre si para o pagamento dos dias de greve?

Esta questão surge, na medida em que, o facto de a greve suspender o contrato de trabalho, incluindo a retribuição, determina que enquanto a greve vigora, os trabalhadores não estarão a receber retribuição. Ora, o facto de não receberem retribuição desmotiva obviamente o exercício do direito à greve.

No entanto, a greve dos professores tem sido feita em peso, pretendendo dessa forma ter o maior impacto possível. Mas tal impacto não se mostra tão expressivo se existirem trabalhadores a não aderir. Dessa forma, iniciou-se um movimento entre os professores de angariar fundos monetários para o pagamento dos trabalhadores que participam nas greves nas escolas.

A recolha destes fundos fundamentou denúncias efetuadas junto do Ministério da Educação, o qual iniciou diligências para apurar a legalidade destes fundos. O que se discute, no fundo, é se (1) são os sindicatos que estão a organizar estes fundos; ou (2) se são os próprios professores a recolher fundos para custear as greves aos assistentes operacionais, visto que basta a greve destes para o encerramento das escolas.

Se os fundos forem organizados pelo(s) Sindicato(s), segundo o afirmado pelo Ministério Público e no Parecer emitido pelo Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, estar-se-ia perante uma prática legal, nos termos do art. 443.º, n.º1 alínea a) do Código do Trabalho. Contudo, esses fundos só poderiam financiar os trabalhadores filiados.   

Poderá, no entanto, levantar-se algumas questões no que toca à independência dos sindicatos, na medida em que, não sendo possível determinar qual a origem dos valores, poderá a greve estar a ser promovida por entidades externas interessadas e que poderão, dessa forma, influenciar as posições dos sindicatos.

Por outro lado, nesta sede, o que tem ocorrido é que os sindicatos dos professores estão alegadamente a financiar a greve dos assistentes operacionais.

Quanto ao primeiro aspeto, é necessário que haja uma maior transparência relativamente à origem dos fundos para que se garanta a transparência dos sindicatos e, sendo tal garantido, não parece que haja implicações legais. Essa transparência poder-se-á atingir pela investigação que o Ministério Público pretende desenvolver.

No que toca ao segundo aspeto, no caso do Sindicato de todos os Profissionais de Educação (S.T.O.P), este tem uma abrangência ampla, abrangendo nomeadamente os assistentes operacionais. Contudo, a questão não se encerra com esta afirmação, visto que, ainda assim, é dúbio se é licita esta conduta, parecendo-nos que não o é. A potencial ilicitude decorre do facto de, no fundo, serem os professores os grandes

financiadores da greve dos assistentes operacionais (ainda que seja o S.T.O.P. oficialmente a financiar), visto que com tal financiamento promovem a greve dos assistentes operacionais, não prescindindo do seu salário, mas garantido na mesma o efeito pretendido – o encerramento das escolas. No fundo, a abrangência do S.T.O.P coloca ainda mais problemáticas, visto que fundamenta este tipo de condutas, que desvirtuam o regime dos fundos de greve.

Nesse sentido, não parece que haja alguma ilegalidade na angariação destes fundos. No entanto, ter-se-á de esperar por mais desenvolvimentos de forma que sejam conseguidos todos os aspetos quanto a esta situação.

Inês Godinho @ DCM | Littler

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