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Em torno do subsídio de refeição: cartão igual a dinheiro

By 19 Agosto, 2022No Comments

O “subsídio de refeição”, apesar do seu montante normalmente reduzido (e, em regra, insuficiente para cobrir o custo de uma refeição normal tomada fora de casa), representa, em muitos casos, uma parte significativa do orçamento pessoal e familiar dos trabalhadores. Não tendo previsão legal no âmbito das relações de trabalho privadas, é recorrente que surjam litígios acerca da sua natureza remuneratória ou não, da necessidade da sua inclusão no cômputo de outras prestações – e até dos modos pelos quais pode ser pago.

Em recente acórdão[1], o Supremo Tribunal de Justiça analisou, justamente, essas questões, no quadro de um litígio decorrente da decisão, tomada por uma empresa, de passar a pagar esse subsídio, não em dinheiro, mas através de crédito em cartão bancário específico.

Sendo a forma de pagamento adotada o chamado “cartão pré-pago”, a empresa procura benefícios fiscais e contributivos, sem deixar de oferecer aos trabalhadores um meio de pagamento utilizável não só em restaurantes (de acordo com a finalidade originária do subsídio) mas também em grande número de estabelecimentos comerciais generalistas.

A eventual qualificação retributiva do subsídio de refeição implicaria, nos termos do art. 276º do Código do Trabalho, a obrigatoriedade do pagamento em dinheiro ou por forma previamente acordada com cada trabalhador.

O primeiro arrimo de que o STJ lançou mão foi o próprio texto da lei. De acordo com o art. 260º do Código do Trabalho, é excluído o carácter retributivo do subsídio de refeição (entre outros tipos de prestação pecuniária), exceto na parte em que exceda os montantes normais, tendo sido previsto no contrato ou devendo considerar-se pelos usos como parte da retribuição. O acórdão considerou que essas condições de excecionalidade deviam ser – e não foram – alegadas e provadas pelo sindicato que tomou a iniciativa processual.

Para além disso, foi retomada no acórdão a antiga (e, diga-se de passagem, um tanto irrealista) doutrina judicial segundo a qual esse subsídio se destina “a fazer face a despesas concretas que o trabalhador presumivelmente tem que efetuar para executar o contrato, para ‘ir trabalhar’, não constituindo um ganho acrescido para o trabalhador, uma mais valia resultante da sua prestação laboral”.

De todo esse armamentário se extraiu não haver obstáculo de princípio a que o modo de atribuição do subsídio fosse alterado por decisão unilateral da entidade empregadora.

Mas o STJ analisou ainda o impacto do pagamento em cartão nos interesses dos trabalhadores beneficiários do subsídio. E considerou não haver “qualquer prejuízo relevante, uma vez que o mesmo pode ser utilizado nas lojas comerciais aderentes às redes Visa Electron e Multibanco, que se encontram universalmente generalizadas, nacional e internacionalmente”. Mesmo a objeção de que “nas zonas rurais do país haja menos lojas comerciais em que possa ser usado o cartão refeição” não foi acolhida pelo STJ, tendo em conta que o cartão “pode ser usado em milhares de estabelecimentos para fazer face ao pagamento de despesas ou aquisição de serviços indiscriminados diferentes de alimentação”.

Sendo uma primeira decisão sobre o ponto, falta ver se a questão fica pacificada através de uma corrente jurisprudencial consistente.

[1] Acórdão STJ 14/07/2022 – Pº 15770/20.1T8LSB.S1 (MÁRIO BELO MORGADO).

António Monteiro Fernandes @ Of Counsel, DCM | Littler