Com o grande avanço tecnológico que se fez sentir nas últimas décadas, o mundo do trabalho e dos serviços começou a mudar a um ritmo cada vez mais intenso. Num plano cada vez mais digital em que os serviços são prestados através de plataformas online, são diversas as vantagens nestes novos modelos de prestar e receber trabalho/serviços, tais como a criação de novos trabalhadores/prestadores e o acesso a novos mercados, que anteriormente não existiam.
Imaginemos as plataformas de conteúdo por assinatura, as mais conhecidas de entre o publico são as de conteúdos eróticos para todos os gostos e fantasias, nas quais os utilizadores ou “Fãs”, pagam um valor para aceder a fotografias e vídeos de criadores, que para efeitos fiscais são considerados profissionais independentes, sendo-lhes atribuído um código de atividade económica (CAE) ou, como acontece em muitos casos, nem sequer se exige a abertura de atividade económica junto da Autoridade Tributária.
Estas plataforma são geridas por empresas, que além de disponibilizar a plataforma, o meio pelo qual os conteúdos chegam até ao consumidor final, também faz a recolha e distribuição dos pagamentos dos “Fãs” em nome dos criadores. Estas empresas, como forma de pagamento, deduzem destes pagamentos uma comissão de 20%, cobrando, ainda, IVA sobre esse montante aquando da emissão da fatura aos criadores dos conteúdos.
Imaginemos que um criador de conteúdos consegue alcançar mil subscritores mensais a um preço médio de € 8,00 receberá a quantia de € 6.400,00 mensais com um valor bruto anual que ronda os € 76.800,00. Diante deste cenário, a pergunta que se impõe é a seguinte: sendo este rendimento sujeito a tributação, quais as regras que se aplicam a estes criadores de conteúdo?
A taxa média a aplicar a este rendimento, em sede de IRS, situa-se nos 45%, contudo, como o criador de conteúdo digital desta plataforma não necessita de ter atividade aberta junto da Autoridade Tributária, pois vê o fruto do seu trabalho a ser pago pelo utilizador ou “Fã”, o criador do conteúdo não consegue saber quem é a pessoa a quem presta o serviço, não dispondo de elementos para cumprir as imposições fiscais, nomeadamente na emissão faturas-recibo, é legitima a conclusão de que estes criadores de conteúdos digitais podem declarar o que entenderem.
Recentemente, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), em 28.02.2023, no âmbito do processo C-695/20, decidiu que uma destas empresa de gestão de plataformas deveria pagar IVA sobre a totalidade do valor recebido por parte dos subscritores e não apenas sobre a comissão que cobra aos criadores dos conteúdos (20%), interpretando os artigos 9.º ‑ A, n.º 1, do Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, e o art. 28.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (Diretiva IVA), no sentido de que quando um sujeito passivo participe numa prestação de serviços agindo em seu nome mas por conta de outrem, considera‑se que recebeu e forneceu pessoalmente os serviços em questão, devendo proceder às liquidações adicionais de IVA.
No entendimento do TJUE, quando um sujeito passivo participa na prestação de um serviço por plataforma eletrónica (por exemplo, uma plataforma de rede social em linha), aprovando a prestação desse serviço, a cobrança do mesmo, ou fixe os termos e condições gerais dessa prestação, esse sujeito passivo define unilateralmente elementos essenciais relativos à prestação do serviço e, consequentemente, deve ser considerado o prestador de serviços, ao abrigo do artigo 28.º da Diretiva IVA.
Esta decisão acarreta um impacto no modelo de negócio destas empresas que se dedicam à gestão de plataformas eletrónicas por assinatura na qualidade de intermediários (por exemplo, as empresas gestão de plataformas eletrónicas de serviços de transporte de passageiros) e que adotam procedimentos idênticos aos que foram aplicados no caso decidido pelo tribunal.
Estas entidades de gestão de plataformas eletrónicas por assinatura operam numa área indefinida da fiscalidade, pois assumem o funcionamento destas plataformas e controlam a relação comercial com os adquirentes dos serviços, contudo, assumem-se como meros intermediários no que respeita a prestação dos serviços (tendo apenas uma relação comercial com os prestadores/criadores e não com o consumidor final).
Gonçalo Asper Caro | DCM Littler