Skip to main content
Blog

Estatuto do Profissional da Área da Cultura: Existe preferência pela subordinação?

By 26 Janeiro, 2022No Comments

Seguindo a publicação e entrada em vigor do Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura, com o DL n.º 105/2021, de 29 de novembro, seguiu-se a Portaria 13-A/2022, de 4 de janeiro, regulamentando a comunicação de celebração dos contratos de prestação de serviços com os profissionais da cultura. 

Nos termos do Estatuto, o contrato de trabalho constitui o instrumento preferencial na contratação de profissionais (v. o art. 4.º do texto preambular que procura, precisamente, consagrar medidas de ação positiva para a celebração do contrato de trabalho). Ainda conforme o texto preambular que aprova o Estatuto, o regime de prestação de serviços seria objeto de regulamentação autónoma. 

A intenção do legislador passou por conciliar duas realidades: (i) a carência social-laboral na área da cultura, traduzida num verdadeiro cenário de precaridade; e (ii) o combate aos apelidados “falsos recibos verdes”. Salientando que o dever de informação recíproco das partes, resultante do Estatuto, vem, lateralmente, servir o propósito de conferir às partes (bem como eventuais serviços inspetivos) um maior contexto (e controlo) da relação contratual. 

Resta saber no que se traduz materialmente esta preferência: (i) se numa obrigação legal de contratar em regime laboral (sendo que tal já resulta dos termos gerais, quando se encontrem reunidos os elementos da relação de trabalho); ou (ii) se se traduz numa necessidade indireta de justificar a razão de contratar em regime de prestação de serviços, ao invés da contratação laboral (ainda que o recurso à prestação de serviços seja lícita). Será, tão só, um incentivo (ou medida positiva) a que os profissionais sejam contratados em regime de contrato de trabalho, mesmo quando é lícito o recurso à prestação de serviços? De uma perspetiva “menos positiva”, será uma restrição à liberdade de celebração de contratos? Tal (ou tamanha) restrição é conforme à Constituição? 

Certo é que a Portaria 13-A/2022, de 4 de janeiro veio disciplinar a comunicação de celebração destes contratos de prestação de serviço diante da IGAC que poderá colaborar, entre outros, com a ACT e Serviços da Segurança Social.  

Nos termos do n.º 1 do art. 4.º parece que entidades empregadoras são investidas de verdadeiros deveres de fundamentar e comunicar a inexistência de contrato de trabalho ou, pelas palavras expressas no texto legal: “(…) ilidindo fundamentadamente a presunção da existência de contrato de trabalho (…)”. Traduz, deste modo, numa exposição metodológica inversa à dos art. 12.º do CT, em articulação com os arts. 10.º e 11.º do mesmo Diploma. Portanto, uma aplicação inversa dos métodos tipológico e, essencialmente, indiciário. No caso do Estatuto, v. o respetivo art. 7.º. 

Posto isto, adianta-se que se revela algo estranho diante da dinâmica que consta da distribuição do ónus de prova, uma vez que a nossa tradição assume a máxima de que: é mais fácil demonstrar a existência do que a inexistência. E daí que “[à]quele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” (art. 342.º, n.º 1 do CC). 

De todo o modo esta comunicação deverá ser realizada preferencialmente antes da produção de efeitos, de modo que seja possível realizar um controlo e garantir proteção ex ante. De todo o modo, na impossibilidade de comunicação em momento anterior à produção de efeitos do contrato, nomeadamente por impossibilidade de acesso ao portal designado para o efeito, a entidade beneficiária da prestação deve proceder à comunicação nas 48 horas posteriores. Repare-se que o rol justificativo é meramente exemplificativo, não se excluindo, v.g., causas de força maior. 

Em suma, a Portaria veio aprofundar normas que constam do Estatuto. Este último configura ainda uma novidade (interpretativa e sobretudo) aplicativa, sujeita aos imensos testes da realidade prática que, por certo, devem ser colocados num futuro breve. 

Estaremos atentos. 

Tiago Sequeira Mousinho @ DCM | Littler