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Excesso de peso: justa causa para despedir um atleta no âmbito de um contrato de trabalho desportivo?

By 7 Abril, 2024No Comments

Há dias os jornais desportivos portugueses noticiaram que o Tribunal Arbitral do Desporto, tinha decidido a favor do clube espanhol, num processo que opunha o clube, entidade patronal, e um jogador francês, trabalhador. Em causa estava a “dispensa” do jogador em setembro de 2021, dado que não cumpria as regras quanto ao peso adequado para a competição, na altura do regresso das competições depois da interrupção provocada pela pandemia da Covid-19, tendo o clube previamente instaurado 4 processos disciplinares que não resultaram em nenhuma mudança por parte do jogador antes de avançar com a rescisão contratual.

Será o excesso de peso um motivo de justa causa para a rescisão contratual dos atletas desportivos por parte da entidade empregadora?

Conforme por nós abordado em artigos anteriores, os contratos dos atletas desportivos são regulados por lei especial, a Lei n. º54/2017 que estabelece o regime jurídico deste tipo contratual.

As partes ao celebrarem o contrato de trabalho desportivo estão a obrigar-se mutuamente ao cumprimento dos deveres provenientes dessa relação contratual, conforme estabelecem os artigos 11.º (deveres da entidade empregadora) e 13.º da Lei n.º 54/2017 (deveres do praticante desportivo).

É no artigo 13.º alínea c) que encontramos a obrigação do atleta preservar as condições físicas que lhe permitam participar na competição desportiva objeto do contrato. É de fácil compreensão que o objeto deste tipo de contratos é o melhor desempenho possível do atleta de modo a ajudar a equipa a alcançar os melhores resultados em todas as competições nas quais compete, capitalizando a equipa e ao mesmo potenciar o desenvolvimento do jogador. Trata-se de uma relação sinalagmática em quando um ganha o outro também e vice-versa.

E nos casos em que há uma violação destes deveres, o que sucede? Terá a entidade patronal motivos para despedir o seu trabalhador?

O artigo 23.º n.º 3 da Lei nº54/2017 estabelece que o despedimento por justa causa por parte da entidade empregadora terá de ter por base o incumprimento contratual grave e culposo que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral desportiva.

A partir da celebração e vigência do contrato de trabalho desportivo, existe uma monitorização do atleta dispondo os clubes das mais desenvolvidas tecnologias para potenciar a melhor performance do atleta, desde horas de sono, desempenho nos treinos/jogos ou até mesmo planos de nutrição específicos para cada jogador tendo em conta as características individuais dos atletas.

Na altura da interrupção das competições provocada pela pandemia da Covid 19, os clubes desportivos continuaram a “tentar” garantir a melhor condição física possível dos seus atletas disponibilizando treinos remotos perante um cenário de possível regresso, à altura, incerto. Da parte das entidades empregadoras havia esta tentativa de cumprimento dos deveres existentes. Da parte dos jogadores, esperava-se o mesmo sentido de compromisso e responsabilidade especialmente nestes 2 âmbitos: treino e alimentação.

No caso, não foi o que sucedeu: o jogador apresentou-se ao serviço no seu clube aquando do regresso da competição com excesso de peso. Depois desta situação, a entidade empregadora usou dos seus poderes disciplinares, previstos no artigo 18.º da Lei nº54/2017, numa tentativa de mudança de comportamento por parte do trabalhador, o que não aconteceu.

Parece-nos claro que o jogador teve uma atuação culposa e grave na medida em que mesmo depois de ter sido advertido disciplinarmente continuou a incumprir os deveres a que estava adstrito, havendo desta forma uma atuação consciente e deliberada por parte do trabalhador.

Para além disso, o objeto do contrato parece esgotado dado que o que se pretende quando existe a contratação de um atleta é que este possa contribuir para os bons resultados da equipa e que este esteja no topo da sua performance física. Nos casos em que tal acontece por culpa de uma das partes, torna-se impossível a manutenção da relação laboral.

A manutenção de uma boa performance física do atleta é, no nosso entender sem dúvida, uma conditio sine qua non no âmbito do contrato de trabalho desportivo.

 

Gonçalo Rodeia Gomes @ DCM | Littler