Ao contrário do que pode parecer a uma primeira observação, o “direito de desconexão” dos trabalhadores e o “dever de abstenção de contacto” dos empregadores não são duas faces da mesma moeda.
Mesmo as abordagens legislativas de um e de outro revelam diferenças notórias.
O “direito de desconexão” surgiu no direito francês, através de uma lei de 2016 sobre “trabalho, modernização do diálogo social e securização dos percursos profissionais” – a denominada “lei El Khomri” (do nome da ministra dos Assuntos Sociais que a promoveu) ou “lei Trabalho” – e figura hoje no art. L. 2242-17 do Code du Travail.
O conteúdo desse direito é razoavelmente claro, embora não definido na lei: o trabalhador tem, fora das horas normais de trabalho, a faculdade de desligar os dispositivos de comunicação com o empregador, assim como, claro está, a de se recusar a atender tentativas de contacto da parte dele.
Mas a lei francesa não consagra de imediato esse direito, ao contrário do que se supõe. Refere-o como objeto obrigatório de regulamentação pelos contratos coletivos ou, na falta dela, por “cartas” (verdadeiros regulamentos) elaboradas pelo empregador. Como se disse, nem sequer o define.
Ou seja: é um direito, mas, para que possa ser exercido, torna-se necessário esperar as regras, eventualmente fixadas por acordo ou, unilateralmente, pelo empregador.
E, mesmo quando possa ser exercido, é, sobretudo, um direito à “imunidade” perante eventuais reações penalizadoras do empregador que não admita a recusa ou inviabilização do contacto, sempre que o considere necessário.
Por seu turno, e diferentemente, o “dever de abstenção de contacto”, consagrado agora no art. 199º-A do Código do Trabalho, tem aplicação imediata, não depende de regulamentação alguma. Incide apenas, como já se observou, sobre aquilo que, mesmo latamente, se possa considerar “contacto”, sob o ponto de vista das finalidades visadas. E não exclui esse mesmo contacto quando surjam casos de força maior que o imponham.
Assim, a nossa lei não consagra, afinal, um “direito de desconexão” do trabalhador – até porque ele pode ter que ser contactado por razões de força maior. O empregador está impedido de o contactar por razões menos graves, e sofre consequências se o fizer, mas, em rigor, o trabalhador não tem o direito de se “fechar” a tal contacto, e pode, em caso de força maior, ser eventualmente penalizado por adotar essa postura.
António Monteiro Fernandes @ Of Counsel, DCM | Littler