A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) veio esclarecer, em nota publicada no seu site, que os trabalhadores que tiverem de faltar ao trabalho para receber a inoculação da vacina contra o SARS-CoV-2 têm a sua ausência justificada, sem qualquer perda de retribuição, com fundamento nos artigos 249º, n.º2, al. d) e 255º, n.º1, do Código do Trabalho (CT).
A ACT suporta, ainda, este entendimento no disposto no art. 15.º, n.º 12 da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, que regula o Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho relativo às obrigações do empregador, bem como nas recomendações da DGS (artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 84/97, de 16 de abril, na sua versão atual, relativo à proteção da segurança e saúde dos trabalhadores contra os riscos resultantes da exposição a agentes biológicos durante o trabalho).
O Código do Trabalho elenca onze situações em que se devem considerar justificadas as faltas ao trabalho – art.249º, n.º 2 – havendo, contudo, cinco exceções a essa norma, não havendo, nesses casos, direito a remuneração – art.255º, n.º 2.
A ausência ao trabalho para vacinação contra a Covid-19 não está prevista, de forma direta, em nenhum desses pontos, todavia, parece ter sido o entendimento que esta ausência deve ser considerada justificada sem qualquer perda de rendimento, “encaixando-se” na motivadas por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador (al. d), do n.º2, do art.249º, do CT).
No entanto, poderá uma leitura diferente ser feita do preceito?
A norma considera como justificada a falta motivada por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação medicamente assistida, doença, acidente ou cumprimento de obrigação legal.
Concordamos que se trata de um facto não imputável ao trabalhador, mas poderá ser considerada doença? Acidente? Ou cumprimento de uma obrigação legal, quando não está prevista, de facto, a imposição da toma da vacina? E questionando a falta de vinculatividade da nota emanada pela ACT, e se a falta for justificada porque o empregador autoriza a falta?
Mais, se o trabalhador não quiser partilhar com o empregador que foi tomar a vacina – por ser um dado pessoal, sensível – pode ter a falta justificada ao abrigo de algum destes preceitos ou terá de, necessariamente, partilhar essa informação para caber nesta interpretação da ACT?
Num olhar mais detalhado sobre esta diretriz da ACT, levantam-se-nos duas importantes questões:
I. Qual a vinculação desta diretriz emanada de um órgão administrativo que não tem força de lei, assumindo a natureza de mera nota explicativa?
II. Por outro lado, a efetividade no levantamento de contraordenações aos empregadores que não cumpram esta diretriz perante uma falta que não está expressamente consagrada como ausência justificada. Poderá a ACT levantar autos de contraordenação a estas empresas que fizerem uma leitura literal do preceito e não considerarem justificada esta ausência?
Manifestamos algumas reticências…
São questões que não se mostram de fácil resposta tendo em conta que a legislação não consegue acompanhar em tempo real a factualidade diária.
Não deveria o legislador pronunciar-se claramente sobre esta matéria, especialmente quando existe grande incentivo à vacinação?
Cremos que algumas dúvidas podem surgir sobre este tema e que uma nota de 10 linhas por parte da ACT não é suficiente para o esclarecimento completo do mesmo.
Gonçalo Asper Caro | Catarina Venceslau de Oliveira | DCM Lawyers