O paradigma do Trabalho 4.0. (ou da sua implementação na sociedade hodierna) parece ter sido acelerado pela atual pandemia internacional COVID-19. Com a crescente preocupação em combater as taxas de contaminação e infeção, as empresas têm procurado explorar uma nova realidade de trabalho à distância, assente no distanciamento físico e no aprofundamento das “novíssimas” tecnologias da informação e comunicação.
Recentemente, no ordenamento uruguaio, surge-nos uma decisão curiosa com respeito à fiscalização do tempo de trabalho em contexto de teletrabalho (Sentencia Nº 50/2020 del JLT de 9º Turno); em causa, foi debatida a utilização da ferramenta Google Analytics para fiscalizar o cumprimento do horário de trabalho e para saber se o trabalho suplementar era ou não efetuado.
Em suma, a trabalhadora, do caso em análise, invocou ter laborado além do seu horário de trabalho (no campus virtual da empresa, onde sempre havia prestado a sua atividade); a empresa, por sua vez, fez recurso à ferramenta Google Analytics para provar a inexistência daquele trabalho suplementar: detalhadamente, os acessos feitos pela pessoa, os registos de visitas e o tempo que os utilizadores efetuaram na página. O Tribunal decidiu não atribuir razão à trabalhadora e conferiu relevância à defesa apresentada.
Com respeito à realidade portuguesa, este caso suscita-nos diversas questões no âmbito do trabalho digital, dos direitos de personalidade e prova no processo do trabalho: (i) será que esta ferramenta configura um equipamento tecnológico de vigilância à distância?; (ii) poderá ser entendido como meio oculto de vigilância (big brother is watching ou de um espaço de trabalho totalmente transparente)?; (iii) poderá servir enquanto meio de prova em regime de teletrabalho (próprio ou impróprio)?; (iv) será uma prova ilícita por vulnerar direitos de personalidade do trabalhador, nomeadamente o seu espaço de privacidade digital ou online?
Se nos pronunciarmos pela existência de um meio de monitorização, revela-se pertinente apontar que o serviço (de monitorização) pertence a um terceiro (Google)? Será que as respostas – a todas as questões anteriores, referentes à defesa da entidade empregadora – mudam se estivermos diante de um processo disciplinar para despedimento com justa causa (e respetiva impugnação do despedimento em juízo)?
Como é consabido, o poder de fiscalização do empregador, em contexto de trabalho à distância, é sensivelmente enfraquecido e, em determinadas situações, a entidade empregadora poderá enfrentar uma verdadeira probatio diabolica. Dito de outra forma, como poderia o empregador efetuar a sua defesa, sem aquele meio ou ferramenta? Seria possível? O art. 170.º do CT dá-nos alguma resposta? Admitindo que sim, ela é iníqua?
Deixamos um reparo final, todavia, em torno o teletrabalho, enquanto “modo de trabalhar” da atualidade e do futuro. Cremos que estes alertas poderão impulsionar a negociação coletiva e, do mesmo modo, acreditamos que existirá uma oportunidade de as partes preencherem os espaços (vazios) deixados pelo legislador, nomeadamente em matéria da fiscalização do trabalho digital e do trabalho em plataformas online.
Ficaremos atentos a futuros desenvolvimentos.
Tiago Sequeira Mousinho | DCM LAWYERS