Um dos temas menos abordados na nossa jurisprudência laboral é o exercício do direito de greve. Isso tem que considerar-se surpreendente, tratando-se, como é o caso, de um tema litigioso por natureza e definição. Noutros países, a natural dificuldade de intervenção do legislador nesse domínio é suprida por abundante e aprofundada construção judicial de soluções para os inúmeros problemas práticos que se levantam nos conflitos colectivos laborais. Não é esse o caso de Portugal, pois existe um regime legal razoavelmente desenvolvido – tendo por objecto os procedimentos de greve — , mas é demasiado escassa a contribuição dos tribunais para a elaboração jurídica do instituto. Claro que a responsabilidade dessa situação não pode atribuir-se aos juízes. O limitado número de decisões decorre da escassa litigância com que os tribunais se defrontam.
No entanto, de tempos a tempos, surge um acórdão sobre o exercício da greve, e quase sempre com interesse destacado. A qualidade sobrepõe-se à quantidade.
É o caso de uma ainda recente decisão do STJ[1], que abordou duas distintas questões, suscitadas por um litígio respeitante ao cumprimento da obrigação de prestação de serviços mínimos durante uma greve de pessoal de uma companhia de aviação comercial.
Em síntese, o objecto de debate consistia no modo de designação dos trabalhadores a afectar a tal prestação. Tendo o sindicato solicitado à empresa a indicação dos trabalhadores disponíveis, para de entre eles fazer a designação que lhe era legalmente cometida, a mesma entidade não respondeu e avançou, ela própria, sem mais, com a lista dos que ficariam obrigados ao cumprimento da referida obrigação. Alguns dos trabalhadores assim designados não compareceram, e foram alvos de processos disciplinares que conduziram a despedimentos.
Nas instâncias, tinha-se decidido que esses despedimentos eram ilícitos, mas por razões diferentes: num caso, por se considerar que a determinação da empresa era ilegítima, sendo legítima a desobediência; no outro, embora admitindo-se a licitude da designação feita pela empresa, o despedimento era ferido de ilicitude por ser sanção inadequada e desproporcionada.
Discutia-se se havia “dupla conformidade”, no sentido e com as consequências previstas no art. 671º, nº 3, do CPC. No mencionado acórdão, estabeleceu-se que, não obstante o facto de ser o mesmo o resultado atingido pelas duas decisões, a fundamentação era “essencialmente diferente”, não havendo, por conseguinte, obstáculo a que o Supremo apreciasse o recurso.
Relativamente à questão do modo de designação dos trabalhadores a afectar à prestação de serviços mínimos, o acórdão – ainda que numa pronúncia muito enxuta de razões – contém uma decisão a três dimensões: a primeira é a de que a não satisfação pela empresa do pedido do sindicato constituíu uma manifestação de má-fé (violando o controverso princípio consagrado no art. 522º do CT); a segunda é a de que a designação de trabalhadores pela empresa constituíu abuso de direito; e a terceira, de carácter mais geral mas não menos relevante, a de que “o direito português desconhece um despedimento motivado apenas por uma alegada “perda ou quebra de confiança” que não se concretize em uma qualquer infração disciplinar”.
[1] Acórdão STJ 14-07-2022 – Pº 2191/19.8T8PDL.L1.S1, relator Júlio Gomes.
António Monteiro Fernandes @ Of Counsel, DCM | Littler