Findo o período de “foco” da pandemia COVID-19 – e no rescaldo de todos os impactos económicos (e sociais) da pandemia na economia nacional – resultam algumas dúvidas sobre a aplicação do Código do Trabalho enquanto lei geral; dúvidas estas que (re)emergem, principalmente, quando os empregadores mais necessitam de recorrer: (i) a instrumentos de maior flexibilidade, e/ou (ii) a apoios providenciados pelo Estado.
O presente texto incide sobre um dever bastante específico, que resulta do art. 303.º, n.º 2, e) do Código do Trabalho. Preceito que determina a uma obrigação dos empregadores, durante o período de lay-off[redução do período normal de trabalho (PNT) ou suspensão do contrato de trabalho]:
Não proceder a admissão ou renovação de contrato de trabalho para preenchimento de posto de trabalho suscetível de ser assegurado por trabalhador em situação de redução ou suspensão.
As dúvidas são maiores quanto ao termo utilizado pelo legislador, a “admissão” que é empregue, por diversas ocasiões, ao longo do Código (v.g., regimes de contrato de trabalho a termo, trabalho parcial, comissão de serviço, trabalho suplementar, férias, despedimento coletivo).
A lei parece referir-se ao ato de admissão enquanto um ato de contratação (celebração de um contrato de trabalho) durante o período de lay-off. Parece ser este, aliás, o entendimento que melhor se coordena com o fundamento subjacente a esta proibição: de o empregador não agravar a sua situação (de crise empresarial), com custos acrescidos, enquanto beneficia de apoios do Estado. Prevenindo determinados abusos, salvaguardando a sã concorrência.
Permanecem dúvidas sobre se caberá neste conceito de “admissão”: (i) a reintegração de trabalhadores, (ii) o “retorno” de trabalhadores, v.g., finda a cedência ocasional de trabalhadores, ou ainda (iii) o “reconhecimento” do prestador de serviços enquanto verdadeiro trabalhador subordinado. Em particular, se o processo de lay-off foi já iniciado, v.g., após a fase de comunicação das medidas aplicáveis aos trabalhadores e após comunicação/ inserção-seleção, desses trabalhadores na plataforma da segurança social, enquanto trabalhadores abrangidos pela redução do PNT ou suspensão dos contratos de trabalho.
Em bom rigor, a reintegração, v.g., em caso de despedimento ilícito, pressupõe, à partida, que já exista um ato prévio de admissão (apenas é reintegrado alguém que já havia sido previamente admitido). Mas o mesmo sucede com o retorno de trabalhadores após cedência ocasional (ou o regresso de trabalhadores após fenómenos suspensivos do contrato de trabalho anteriores às medidas de lay-off). Imagine-se, ainda, que por imposição judicial o empregador tem de reconhecer um vínculo de trabalho a um “falso” prestador de serviço – mesmo neste caso, existirá um ato de admissão prévio ao período do lay-off, uma vez que é reconhecida a antiguidade até à data de contratação do “falso” prestador (na verdade, um trabalhador subordinado).
Todavia, sob o ponto de vista fáctico, mesmo nestes casos reportados, existe um incremento dos custos económicos; mais, durante este período o Estado permanecerá a pagar os apoios sociais para que empregadores e trabalhadores viabilizem a relação de trabalho, na medida do possível. Caso não se considere a “nova admissão”, como serão conciliados os deveres procedimentais dos processos de lay-off? E diante dos serviços de Segurança Social, como se articulam estes “regressos”? Serão desconsiderados estes atos enquanto atos de admissão? Existirá uma obrigação de adiar os atos de “regresso”? E quando existe uma obrigação judicial de reconhecer o vínculo ou de reintegrar o trabalhador?
Estaremos atentos a futuros desenvolvimentos.
Tiago Sequeira Mousinho @ DCM | Littler