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Layoff 2.0: bugs e afins

By 6 Agosto, 2020No Comments

O apoio extraordinário à retoma progressiva de atividade em empresas em situação de crise empresarial com redução temporária do período normal de trabalholayoff 2.0 – foi (finalmente!) publicado na noite de dia 30.7.2020 (DL n.º 46-A/2020), entra em vigor no dia 31.7.2020 e produz efeitos entre 1.8.2020 e 31.12.2020.

Este mecanismo foi apresentado como substituto do layoff simplificado no Programa de Estabilização Económica e Social (ponto 2.2.1. da Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de junho) e, aparentemente, permitia resolver um bug do layoff simplificado: a progressiva convergência da retribuição do trabalhador para os 100%, fazendo incidir a compensação retributiva sobre as horas de não trabalho. Contudo, a autorização legislativa inserida no Orçamento Suplementar (Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho) e os documentos síntese que foram circulando – e que aparentemente terão servido para a audição aos parceiros sociais – apontavam para a persistência dos bugs do layoff simplificado e do layoff clássico (Código do Trabalho) e, surpreendentemente, para a criação de novos bugs que podem eliminar as boas notícias associadas à tendência para 100% da remuneração mensal. Vejamos.

Em primeiro lugar, este layoff 2.0 é incompatível com o incentivo extraordinário à normalização da atividade empresarial (DL n.º 27-B/2020, de 19 de junho). Trata-se de um apoio que foi anunciado ainda no tempo do suposto layoff simplificado (Portaria n.º 71-A/2020, de 15 de março) e que foi sendo paulatinamente alterado e com exponencial grau de complexidade desde os primórdios até à presente data. Seria mesmo expectável que, depois de uma forte crise, as empresas retomassem, de um momento para o outro, a atividade a 100%?

Em segundo lugar, este layoff 2.0 é incompatível com o layoff clássico (Código do Trabalho). Imaginemos o seguinte caso: a empresa A tem 5 estabelecimentos ou unidades económicas. Um deles consegue reabrir a 50%, outro consegue reabrir a 100% e os restantes três devem continuar fechados (v.g. porque não têm encomendas ou reservas). Com o atual sistema, insistindo o legislador na aplicação do regime ao empregador, sem possibilidade de diferenciar por estabelecimento ou unidade económica, aquele não pode (i) recorrer ao incentivo extraordinário à normalização da atividade empresarial para o estabelecimento que reabre a 100%, (ii) aplicar o layoff 2.0 aos trabalhadores com redução do período normal de trabalho e (iii) utilizar o layoff clássico para os trabalhadores que não têm atividade. Resta-lhe recorrer ao layoff clássico para todos os trabalhadores, nivelando por baixo a proteção que se poderia conferir. Dir-se-á: se tiver uma quebra muito forte (75%) pode reduzir o período normal de trabalho em 70% e nos 30% sobram ainda beneficia de um apoio adicional de 35% da retribuição normal ilíquida. Por outras palavras, o empregador que retome com um período normal de 30%, porque o Estado paga uma parte e, no limite, até poderá não atribuir-lhe funções ou tarefas, porque o custo da inatividade será baixo. Se tudo fosse medido por Euros, talvez fosse de aceitar este fundamento. Contudo, colocam-se diversas questões, nomeadamente o cumprimento do dever de ocupação efetiva e a aplicabilidade do regime dos acidentes de trabalho. Não teria sido melhor aceitar, pelo menos, a suspensão dos contratos de trabalho, ainda que não total, por estabelecimento ou unidade económica?

Em terceiro lugar, o legislador manda aplicar às horas trabalhadas a regra prevista no art. 271.º do Código do Trabalho ao mesmo tempo que define as reduções de período normal de trabalho em termos percentuais. Vejamos um exemplo: (i) o Abel tem uma retribuição base de € 1.200 e um período normal de trabalho de 40 horas semanais e de 8 horas diárias; (ii) o valor hora corresponde a € 6.92 – (€ 1.200,00 X 12) / (52 semanas X 40 horas); (iii) Bento, empregador, tem uma quebra de faturação de 61% e decide uma redução do período normal de trabalho em 50%; (iv) a compensação retributiva em agosto corresponderá a € 400,00 (2/3 da retribuição normal ilíquida correspondente às horas não trabalhadas); (v) a remuneração pelas horas trabalhadas corresponderá a € 6,92 X 20 horas X 4 semanas = € 553,60 ou deveria corresponde a 50% da remuneração mensal (€ 600,00)? Dir-se-á: os cálculos devem ser feitos por dias de trabalho, ou seja, € 6,92 X 8 horas diárias X 11 dias = € 608,96. Ainda assim, todos os meses têm 22 dias úteis? A retribuição mensal passa a variar em função do número de dias úteis de cada mês?

Acresce que, literalmente, daquela imposição poderá resultar que o trabalhador tem apenas direito à retribuição base e às diuturnidades. A ajudar a este resultado (anacrónico) há outra regra que impõe a consideração dos prémios mensais, dos subsídios regulares mensais, do subsídio de refeição e do trabalho noturno expressamente para a compensação retributiva, mas não para a remuneração das horas trabalhadas. Não bastava aplicar, em modo de espelho, as percentagens (horas trabalhadas Vs. horas não trabalhadas)?

Finalmente, fica em aberto a questão de saber se a audição dos parceiros sociais, através de documentos síntese (admitindo por mera hipótese ter sido esse o caso), cumpre o procedimento de aprovação de legislação do trabalho. Dir-se-á que a oportunidade de pronúncia das  comissões de trabalhadores ou das respetivas comissões coordenadoras, das associações sindicais e das associações de empregadores ocorreu aquando do Orçamento Suplementar. Temos dúvidas que seja suficiente a pronúncia sobre uma autorização legislativa. Finalmente aduzir-se-á que não havia tempo porque o regime deveria entrar em vigor no dia 1 de agosto. Devemos ter presente que o layoff 2.0 foi anunciado publicamente a 6 de junho no Programa de Estabilização Económica e Social. Um mês e meio não seria suficiente?

Cabe, agora, aguardar pela aplicação deste regime e esperar que estes e muitos outros bugs não se transformem o layoff 2.0 no cabo das tormentas para empregadores e trabalhadores. Embora tenha alguns furos, há sempre um bote salva-vidas: o layoff clássico.

David Carvalho Martins | DCM LAWYERS