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Layoff: não é robusto, nem é (ainda) simplificado

O Layoff não é robusto, nem é (ainda) simplificado. Em bom rigor, existem atualmente dois procedimentos de layoff – um previsto nos arts. 298.º e ss. do Código do Trabalho (layoff clássico) e outro criado pelo DL n.º 10-G/2020 (versão inicial, Declaração de retificação e versão consolidada) – os quais permitem, com algumas diferenças procedimentais e de alcance, (i) suspender os contratos de trabalho ou (ii) reduzir o período normal de trabalho por força de uma crise empresarial.

Até ao dia 27.3.2020, o único layoff encontrava-se no Código do Trabalho. Como referimos anteriormente, a Portaria n.º 71-A/2020 não criou qualquer procedimento de layoff, muito menos simplificado. Essa ilusão resultava do mote lançado pelo art. 12.º, al. a), da RCM n.º 10-A/2020 e de um preâmbulo muito mais ambicioso do que o texto – e a própria figura – da Portaria. A Portaria criou um apoio financeiro independente da suspensão do contrato de trabalho ou da redução do período normal de trabalho.

A conjuntura e a urgência para encontrar soluções rápidas, eficientes e efetivas podem justificar um nascimento atribulado, uma vida sincopada e a morte abrupta desta Portaria, mas talvez não expliquem a permanência do seu zombie – seguramente, de forma inconsciente ou inevitável – no seu sucessor: o DL n.º 10-G/2020.

Recorde-se que essa Portaria foi publicada no dia 15.3.2020, retificada no dia 16.3.2020, alterada no dia 18.3.2020 e revogada no dia 26.3.2020.

Este layoff especial – talvez, melhor dizendo, layoff em segunda mão – tem alguns elementos positivos, a saber: (i) assenta num ato legislativo, embora se possa suscitar o problema da reserva relativa até à entrada em vigor de uma lei da Assembleia da República que o ratifique e ultrapasse os problemas associados ao regime da legislação do trabalho; (ii) inspira-se no layoff clássico; e (iii) acelera a comunicação à Segurança Social.

Contudo, levou demasiado ao pé da letra a inspiração no layoff clássico e, num aspeto em particular, foi além do layoff clássico sem qualquer razão justificativa.

Com efeito, deduz-se do preâmbulo uma fé excessiva no layoff clássico, o qual, segundo as palavras do legislador, “tem demonstrado ao longo da história ser um instrumento robusto para ajudar a responder às situações de crise como a que o País atravessa”.

Para os pessimistas, atravessamos um tempo que anuncia um desastre iminente de dimensões (quase) bíblicas. Para os otimistas, trata-se de um breve interregno na vida das pessoas e das empresas, cujo fim está ao virar da esquina. Um caminho intermédio poderá justificar que se coloque, pelo menos como um cenário possível, que esta crise será pior do que a crise de 2008-2014.

Com a salvaguarda da tese otimista, qualquer das outras vias deveria provocar a dúvida sobre a aplicabilidade, a segurança e a eficiência de um modelo normativo pensado para crises mais individualizadas ou localizadas, nas quais era possível encontrar alternativas e as soluções menos prementes. Por isso, o layoff clássico nunca seria um instrumento apto – muito menos robusto – para fazer face a uma situação que não foi experimentada nos tempos mais recentes (ou, inclusivamente, desde a II Guerra Mundial).

Esta crença inabalável na sua robustez poderá ter levado à importação de regras de sentido e alcance, no mínimo, duvidoso do layoff clássico, designadamente em matéria de compensação retributiva. Vejamos.

No layoff clássico, durante o período de redução ou suspensão, o trabalhador tem direito a auferir mensalmente um montante mínimo igual a 2/3 da sua retribuição normal ilíquida, ou o valor da retribuição mínima mensal garantida correspondente ao seu período normal de trabalho (i.e., no Continente, € 635,00, na Região Autónoma dos Açores, € 666,75, e na Região Autónoma da Madeira, € 650,88), consoante o que for mais elevado (art. 305.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho), com o limite máximo do triplo da retribuição mínima mensal garantida correspondente ao seu período normal de trabalho (i.e., € 1.905,00, € 2.000,25 e € 1.952,64, respetivamente).

Se não ocorrer a suspensão do contrato de trabalho, mas a redução do período normal de trabalho, o trabalhador tem direito à retribuição calculada em proporção das horas de trabalho (art. 305.º, n.º 2, do Código do Trabalho) acrescida da compensação retributiva para assegurar os referidos 2/3 com o limite máximo acima mencionado (art. 305.º, n.º 3, do Código do Trabalho).

Esta solução, com a devida vénia e respeito por melhor opinião, conduz a resultados caricatos, que dificultam a localização de um fundamento suficientemente forte que o justifique. Cumpre apresentar alguns exemplos:

 

Exemplo A

Exemplo B

Tempo completo (40h)

Retribuição: € 635,00 Retribuição: € 750,00

Redução do período normal de trabalho em 50%

(20h)

Retribuição: € 317,50 Retribuição: € 375,00
Compensação Retributiva: € 317,50 Compensação Retributiva: € 375,00
Retribuição + Compensação Retributiva:  

€ 635,00

Retribuição + Compensação Retributiva:  

€ 635,00

Pagamento do Empregador:  

€ 95,25

Pagamento do Empregador:  

€ 78,00

Pagamento da Segurança Social:  

€ 222,25

Pagamento da Segurança Social:  

€ 182,00

 

 

Suspensão do contrato de trabalho

Compensação Retributiva: € 635,00 Compensação Retributiva: € 635,00
Pagamento do Empregador:  

€ 190,50

Pagamento do Empregador:  

€ 190,50

Pagamento da Segurança Social:  

€ 444,50

Pagamento da Segurança Social:  

€ 444,50

 

Exemplo C

Exemplo D

Tempo completo (40h)

Retribuição: € 1.500,00 Retribuição: € 3.000,00

 Redução do período normal de trabalho em 50%

(20h)

Retribuição: € 750,00 Retribuição: € 1.500,00
Compensação Retributiva: € 250,00 Compensação Retributiva: € 405,00
Retribuição + Compensação Retributiva:  

€ 1.000,00

Retribuição + Compensação Retributiva:  

€ 1.500,00

Pagamento do Empregador:  

€ 75,00

Pagamento do Empregador:  

€ 121,50

Pagamento da Segurança Social:  

€ 175,00

Pagamento da Segurança Social:  

€ 283,50

Suspensão do contrato de trabalho

Compensação Retributiva: € 1.000,00 Compensação Retributiva: € 1.905,00
Pagamento do Empregador:  

€ 300,00

Pagamento do Empregador:  

€ 571,50

Pagamento da Segurança Social:  

€ 700,00

Pagamento da Segurança Social:  

€ 1.333,50

 

Entre outras, destacamos as seguintes incongruências:

a) Um trabalhador que preste a sua atividade em regime de tempo parcial (por exemplo, 50%) recebe a mesma quantia mensal do que um trabalhador com suspensão (integral) do contrato de trabalho ( 305.º, n.º 3, do Código do Trabalho e art. 6.º, n.º 4, do DL n.º 10-G/2020).

Qual é o incentivo para trabalhar, designadamente numa crise como a atual com riscos de contágio? Nenhum. Será que o legislador pretende impor não só o isolamento como a total ausência de trabalho nos próximos meses? Não nos parece verosímil.

b) A responsabilidade pelo pagamento da compensação retributiva pela Segurança Social é tanto maior quanto maior for a redução do período normal de trabalho ou, no limite, determinada a suspensão do contrato de trabalho.

Dir-se-á que, se beneficia da atividade laboral, o empregador deve desonerar a Segurança Social. É uma asserção idílica no atual estado da economia, visto que a manutenção da atividade não significa obter lucro ou sequer alcançar níveis de tesouraria suficientes para fazer face às despesas imediatas. Por outro lado, dá um sinal claro aos empregadores que, na dúvida, é melhor parar, por completo, a atividade. Esta opção faz sentido se queremos que existam algumas empresas aptas a funcionar na retoma da economia? Não nos parece.

c) Se o empregador pagar acima dos limites acima referidos, a compensação retributiva a cargo da Segurança Social será reduzida na mesma proporção ( 305.º, n.os 2 e 3, do Código do Trabalho e art. 6.º, n.º 4, do DL n.º 10-G/2020).

Dir-se-á que o Estado só deve comparticipar se o empregador não puder pagar ou laborar. Mais: o pagamento da remuneração acima dos limites acima mencionados é um indício de inexistência de crise empresarial que justifica o apoio público. Não é verdade, mas ainda que fosse, este entendimento penaliza – desincentiva – os empregadores que se esforçam para impedir a redução do rendimento dos seus trabalhadores. Podem ser poucas empresas, mas existem.

Numa situação como a atual, sem tesouraria, esta opção implica endividamento ou suprimentos dos sócios ou acionistas. Acresce que esta penalização não tem qualquer relevância efetiva nas contas públicas. Não tendo alternativa, os empregadores respeitarão os limites fixados por lei, ou seja, a Segurança Social pagará a mesma quantia. Por seu lado, castiga os trabalhadores: impõe cortes remuneratórios, aumenta o risco de endividamento e acentua a quebra do consumo, mesmo de bens essenciais. Não faz sentido.

Perguntará o leitor: temos alternativa? Há sempre alternativa.

A solução de emergência deveria ter sido prescindir dos pés-de-barro do layoff clássico e optar por um sistema que assentasse em três diretrizes: (i) durante o período de suspensão, o trabalhador tem direito à compensação retributiva correspondente a 2/3 da retribuição normal ilíquida, com o limite mínimo de uma RMMG e o limite máximo de três RMMG; (ii) durante o período de redução do período normal de trabalho, o trabalhador tem direito à retribuição na proporção das horas de trabalho, acrescida da contribuição retributiva correspondente à diferença para a retribuição mensal, com os limites previstos no número anterior; e (iii) sem prejuízo destas regras, o empregador pode manter o pagamento integral da remuneração durante o período da redução ou suspensão, sem prejuízo dos apoios não poderem exceder o disposto nos números anteriores.

Para obviar à crítica (injusta) do eventual enriquecimento sem causa, poder-se-ia prever, por exemplo, que o pagamento integral pressuporia a não prestação de qualquer outra atividade remunerada. Há seguramente outras soluções melhores.

Os pés-de-barro do layoff clássico não se ficam por aqui. Com alguma bonomia, prevê-se que durante o período de redução ou suspensão, o trabalhador tem direito a exercer outra atividade remunerada (art. 305.º, n.o 1, al. c), do Código do Trabalho e art. 6.º, n.os 1, 7 e 8, do DL n.º 10-G/2020). Seria uma solução interessante se visasse assegurar ao trabalhador uma ocupação profissional adicional que lhe permitisse compensar a quebra de rendimento (pelo menos 1/3 da remuneração mensal, ou seja, aquilo que as instituições de crédito consideram como taxa de esforço aceitável para contrair um empréstimo). Engano puro.

Com efeito, o trabalhador deve comunicar ao empregador o exercício de uma atividade remunerada fora da empresa, no prazo de 5 dias a contar do início da mesma, para efeitos de eventual redução da compensação retributiva (art. 304.º, n.o 1, al. n), do Código do Trabalho e art. 6.º, n.os 1, 7 e 8, do DL n.º 10-G/2020), a qual é atribuída na medida do necessário para, conjuntamente com a retribuição de trabalho prestado na empresa ou fora dela, assegurar o montante de 2/3 da retribuição normal, com os limites mínimos e máximos anteriormente referidos.

Dir-se-á: é a mera decorrência de um princípio mais geral de proibição do enriquecimento sem causa. Se fica com tempo livre e continua a receber do empregador originário, o trabalhador não deverá utilizar esse tempo para trabalhar e receber uma quantia que de outro modo não teria acesso. Como punição por tentar recuperar algum rendimento, o legislador determina que o valor deste (suposto) enriquecimento deverá ser deduzido na compensação retributiva, ou seja, o novo empregador reembolsa indiretamente o empregador originário e a Segurança Social, sendo que o trabalhador presta a sua atividade “para aquecer”.

Numa situação de crise como a atual, o legislador considerou que a melhor solução seria impor a camisa de forças do layoff clássico neste layoff em segunda mão. Sabendo – ou não podendo ignorar – que será provavelmente a primeira vez que teremos uma aplicação em massa do layoff, apimentada pela cessação generalizada de contratos de trabalho a termo ou temporário e decorada pelas denúncias de contratos no período experimental, sem prejuízo da sobremesa servida sob a camada fria das insolvências.

Mais: será, porventura, a primeira vez que enfrentamos uma crise que poderá implicar um decréscimo significativo do rendimento do trabalhador, do cônjuge, dos descendentes e dos ascendentes. Obviamente que se trata de uma solução de sobrevivência.

Para tentar inverter, contrariar ou reduzir o risco de agravamento desta espiral recessiva – esperamos o melhor, mas devemos estar preparados para o pior –, não deveria ter sido escolhido outro caminho? Claramente que sim.

Dirá o leitor: não é uma situação que se coloque, porque não existe emprego ou o que existe tem riscos de contágio. Não seríamos tão fatalistas, visto que existem algumas oportunidades de teletrabalho ou em empresas vitais neste período de combate à pandemia. Retorquirá o leitor mais apressado: são casos puramente hipotéticos. Não são, mais ainda que fossem, nada justifica a criação de incentivos ao trabalho não declarado ou ao ócio numa época em que todos contam para levar o barco a bom porto. Não satisfeito, dirá ainda: e a responsabilidade pelos acidentes de trabalho? Numa situação de trabalho não declarado, o novo empregador não subscreverá uma apólice de acidentes de trabalho e a tentação será onerar o empregador originário. A alternativa continua a ser melhor.

Sobre a proibição dos despedimentos, mantemos o nosso entendimento: é proibido proibir, nomeadamente porque não se detém o vento com as mãos. Compreendemos, no entanto, as preocupações que lhe subjazem (cfr. João Leal Amado, “Da pandemia ao lay-off just in time: breve reflexão”).

Não se pode ignorar, porém, que a regra da proibição dos despedimentos no layoff clássico (art. 303.º, n.o 2, do Código do Trabalho) tem um alcance menos ambicioso do que a hipotética designação poderia fazer pressupor. Trata-se de uma limitação de despedimentos por eliminação de emprego (despedimentos coletivos e por extinção de posto de trabalho) e circunscrita aos trabalhadores abrangidos pelas medidas. Por outras palavras, numa situação de crise, o empregador poderá escolher, de acordo com critérios objetivos, os postos de trabalho a manter com redução ou suspensão e aqueles que devem ser eliminados. Este era o caminho inicial (cfr. versão inicial).

Contudo, fruto da pressão da opinião pública, decidiu-se ir além do layoff clássico e incluir no âmbito desta proibição todos os contratos de trabalho existentes à data do início do layoff em segunda mão (art. 13.º na versão consolidada). É verdade que se pode colocar a questão de saber se esta norma tem implicações em despedimentos anteriores (cfr. João Leal Amado, “Da pandemia ao lay-off just in time: breve reflexão”). Esta Declaração de retificação poderá contribuir para ressuscitar a polémica da inconstitucionalidade da declaração de retificação do Código de Trabalho de 2009, salvo se o estado de exceção “ajudar”.

A presença zombie da Portaria n.º 71-A/2020 encontra-se na difícil conjugação entre os arts. 5.º e 6.º do DL n.º 10-G/2020 e o formulário aprovado. Como sabemos, a Portaria criou um apoio financeiro que podia ser concedido, mesmo sem redução do período normal de trabalho ou suspensão do contrato de trabalho. Parece-nos que esse espírito está presente no art. 5.º do DL n.º 10-G/2020, o qual não refere qualquer dessas medidas. Acresce que, a concessão do apoio no caso de redução ou suspensão é regulada pelo art. 6.º, n.º 5.

Atendendo ao dever de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.º 3, do CC) das duas uma: (i) há sobreposição de regras e, portanto, o art. 5.º, n.º 1, é inútil, bastando o disposto no art. 6.º, n.º 5; ou (ii) não há sobreposição e continua a ser possível pedir o apoio sem reduzir ou suspender. No primeiro caso, o DL n.º 10-G/2020 e o formulário aprovado estão de braços dados. No segundo caso, o formulário deve ser revisto. Em qualquer das hipóteses, importaria uma clarificação legislativa, visto que a imposição de um formulário que restinga o âmbito de aplicação de uma lei não é um obstáculo judicialmente intransponível, embora possa ser decidido apenas nas calendas dos tribunais administrativos e fiscais.

Finalmente, sem prejuízo de podermos identificar outras insuficiências nos regimes de layoff, cabe referir que há mais vida para além do layoff.

Por exemplo, a proteção dos trabalhadores independentes e dos sócios em caso de layoff não se resolve com uma alteração destes regimes, mas através, por exemplo, da revisão ou alargamento do regime jurídico de proteção social na eventualidade de desemprego dos trabalhadores independentes com atividade empresarial e dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas (DL n.º 12/2013, de 25 de janeiro).

É decididamente um tempo desafiante, a todos os níveis.