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Layoff simplificado? Não é layoff, nem simplificado

O layoff simplificado é um layoff? É simplificado?

Por muito que se possa resumir em tinta preta numa folha branca, legislar não é uma tarefa fácil. O desafio de criar regras e princípios que regulem a vida em comunidade exige, nomeadamente, tempo e ponderação. O que não temos. É urgente, é necessário agir.

Estamos certos – queremos acreditar – que todos estamos a fazer, em cada uma das nossas profissões e vidas pessoais, o melhor que podemos e sabemos. Não é o momento para culpar ou criticar, nem para pensar no que poderia ter sido feito melhor ou diferente nos últimos dias. É tempo de atuar. As avaliações fazem-se no final.

Dito isto, entre outros aspetos que poderíamos trazer à colação, pretendemos apenas lançar algumas ideias sobre o comummente designao layoff simplificado, o qual não é layoff, nem simplificado.

Temos assistido, nos últimos dias, a sucessivas notícias e informações que dão conta da possibilidade de encerrar ou suspender a atividade, reduzindo remunerações, com uma mera comunicação aos trabalhadores e à Segurança Social, com base na Portaria n.º 71-A/2020.

É verdade que este não é um tempo de certezas ou de dogmas, mas parece-me um caminho errado: (i) por um lado, é uma ratoeira para os empregadores, numa época que se impõe, mais do que nunca, preservar a economia, as empresas e os trabalhadores; (ii) por outro lado, fragiliza, para além do que a Lei permite, a situação dos trabalhadores.

A expressão layoff simplificado surge no art. 12.º, al. a), da RCM. Contudo, o que se previa era a “aplicação do apoio extraordinário à manutenção dos contratos de trabalho em empresa em situação de crise empresarial com direito a uma compensação retributiva análoga a um regime de lay off simplificado”. Nesse momento, emergia a dúvida sobre o que seria um regime de layoff simplificado para saber em que consistia o direito a uma compensação retributiva análoga. Seria um novo regime jurídico, especial em relação ao previsto nos arts. 298.º a 308.º do Código do Trabalho?

Entretanto, foi publicada a Portaria n.º 71-A/2020 que criou, de acordo com o respetivo preâmbulo, uma medida de apoio extraordinária à manutenção dos contratos de trabalho em empresa em situação de crise empresarial. Esta visa, essencialmente, dar uma resposta “rápida e imediata às necessidades urgentes de apoio à manutenção do emprego em empresas especialmente afetadas pelo surto do vírus COVID-19, que não se compadecem com a complexidade procedimental de regimes já́ existentes como o da suspensão dos contratos de trabalho efetuada por iniciativa das empresas, prevista no Código do Trabalho, vulgarmente denominado de lay off”. Mais: “[é], no entanto, na figura do lay off que esta medida excecional se inspira, quer quanto à estruturação, quer quanto às formas e montantes de pagamento, mas que dela se afasta exatamente por não implicar a suspensão dos contratos de trabalho e definir uma operacionalização procedimental simplificada”.

Em conformidade com o seu art. 1.º, esta Portaria “define e regulamenta os termos e as condições de atribuição dos apoios imediatos de carácter extraordinário, temporário e transitório, destinadas aos trabalhadores e empregadores afetados pelo surto do vírus COVID-19, tendo em vista a manutenção dos postos de trabalho e mitigar situações de crise empresarial”.

Em momento algum, se refere nos atos normativas acima referidos a possibilidade de afetar as relações laborais, através da redução do período normal de trabalho ou da suspensão do contrato de trabalho. É verdade que esta medida não implica a suspensão dos contratos de trabalho, nas palavras do seu preâmbulo, mas também não permite, justifica ou possibilita essa solução, sem observar o regime legal aplicável. Os arts. 3.º a 5.º reforçam essa ideia, embora na versão inicial se previsse a possibilidade de mobilidade funcional (art. 5.º, n.º 5), a qual foi revogada. Não há o mínimo de apoio na letra da Portaria para esse entendimento.

No limite e sem observar outros procedimentos, o empregador pode ter direito ao apoio extraordinário à manutenção de contrato de trabalho em situação de crise empresarial, mas continua obrigado a justificar as restrições ao dever de ocupação efetiva e a pagar a remuneração por inteiro.

Para além do elemento literal, não podemos esquecer que, salvo melhor opinião, o Decreto de Estado de Emergência não suspendeu as regras da reserva de competência relativa da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias (art. 165.º, n.º 1, al. b), e n.os 2 a 5, da Constituição da República Portuguesa), nem as que regulam a participação na elaboração da legislação de trabalho (arts. 54.º, n.º 5, al. d), e 56.º, n.º 2, al. a), da Constituição da República Portuguesa, e arts. 469.º a 475.º do Código do Trabalho).

As restrições (inovadoras) a direitos, liberdades e garantias – por exemplo, a segurança no emprego (art. 53.º da Constituição da República Portuguesa) e os direitos de consulta de estruturas de representação coletiva de trabalhadores (arts. 54.º, n.º 5, al. d), e 56.º, n.º 2, al. a), da Constituição da República Portuguesa) – devem, revestir a forma de Lei ou de Decreto-Lei autorizado (anterior ou, no limite, posterior para ratificar) (art. 165.º, n.º 1, al. b), e n.os 2 a 5, da Constituição da República Portuguesa). E bem se compreende que assim seja, tendo em conta a experiência da Constituição de 1933.

Assim, a redução do período normal de trabalho ou da suspensão do contrato de trabalho deve observar o regime do Código do Trabalho. O referido apoio extraordinária à manutenção dos contratos de trabalho em empresa em situação de crise empresarial apoio pode ter alguma relevância nos primeiros dias de quebra ou supressão da atividade, mas não devemos correr o risco de ignorar o regime previsto no Código do Trabalho ou, eventualmente, nos diplomas que possam ser publicados nos próximos dias para corrigir (esperamos) esta situação.

A Portaria n.º 71-A/2020 não criou – não podia criar – um layoff e, muito menos, um layoff simplificado.

As dúvidas são inúmeras, os problemas de articulação com o Código do Trabalho não são despiciendos. Se mais não fosse, o conceito de crise empresarial, sem que nada o justifique, é mais restrito do que o previsto no Código do Trabalho, deixando de fora diversas situações. Admitia-se, porventura, essa solução se a Portaria consagrasse um regime mais favorável ou dispendioso para o Estado do que aquele que está consagrado no Código do Trabalho. Não é assim: o valor do apoio é idêntico, tem duração mensal e excecionalmente pode chegar a 6 (seis) meses.

Salvo melhor opinião, a partir do previsto no Código do Trabalho, o novo e excecional regime devia:

  1. Densificar – não restringir – o conceito de crise empresarial;
  2. Simplificar o procedimento;
  3. Antecipar os pagamentos;
  4. Criar mecanismos de controlo efetivo posterior; e
  5. Reforçar os deveres de informação e de boa fé, através da referência ao crime de falsas declarações.

Após a crise, teremos tempo para identificar e punir os eventuais infratores. Agora, é tempo de agir.

Correndo o risco de colocar foice em seara alheia, deixamos ainda a seguinte questão: a declaração de estado de emergência não podia/devia ter simplificado os procedimentos legislativos em época de crise, durante a qual cada dia conta? Em particular, suspendendo a participação na elaboração da legislação de trabalho? Se suspendeu o direito à greve – umas das pedras de toque de qualquer sistema laboral –, não poderia ter suspendido estas regras?

Se não formos ágeis, o tempo pode não perdoar.