Um dos grandes desafios que vivemos no mundo atual é o de, preliminarmente, tentar calcular o impacto que esta pandemia irá causar nos diversos setores e tentar minimizar os seus efeitos. A esta luz, o Governo tem procurado resolver os problemas e dificuldades que, continuamente, vão aparecendo em virtude da aplicação prática do (extenso) pacote legislativo COVID-19. Por este motivo, tem sido aprovada inúmera legislação destinada a colmatar lacunas, atenuar desequilíbrios e responder a novas necessidades que se vêm a verificar.
Neste sentido, na primeira quinzena de Agosto, surgiu um conjunto de legislação que veio limar algumas arestas de decretos-lei e resoluções do Conselho de Ministros anteriores. Vejamos. No dia 7 de Agosto, foi publicado o Decreto-Lei n.º 51/2020, que introduziu um conjunto de alterações às medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia da doença COVID-19 . Para efeitos de matéria laboral, destacamos a alteração ao Decreto-Lei n.º 10-F/2020, de 26 de Março, o qual veio estabelecer um regime excecional e temporário de cumprimento de obrigações fiscais e contribuições sociais, no âmbito da pandemia da doença COVID-19. Uma das medidas instituídas foi a criação de um regime de pagamento diferido das contribuições devidas pelas entidades empregadoras e pelos trabalhadores independentes, sendo que o Decreto-Lei n.º 51/2020 veio alterar o prazo de indicação perante a Segurança Social Direta de qual a modalidade escolhida, estendendo-o até Agosto de 2020.
Nesta onda de alterações sucessivas, encontramos o Decreto-Lei n.º 58-A/2020. Publicado a 14 de Agosto, clarifica as medidas excecionais e temporárias no âmbito do Programa de Estabilização Económica e Social (cfr. Programa de Estabilização Económica e Social (PEES): O que muda? ; Programa de Estabilização Económica e Social (PEES): Medidas de apoio só no papel?). De modo a clarificar o âmbito subjetivo de aplicação do Programa, veio a ser alterado o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 27-B 2020, de 19 de Junho. Na sua atual redação, permite-se a atribuição do complemento de estabilização é aos trabalhadores cuja remuneração base em fevereiro de 2020 tenha sido igual ou inferior a duas vezes a RMMG e que, entre os meses de abril e junho tenham estado abrangidos, por um prazo igual ou superior a 30 dias seguidos (e não um mês civil completo, como na sua anterior redação) pelo apoio à manutenção do contrato de trabalho, previsto no Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março ou, em alternativa, por redução temporária do período normal de trabalho ou suspensão do contrato de trabalho, nos termos dos artigos 298.º e seguintes do Código do Trabalho, mantendo-se essa parte do artigo, inalterável.
Relativamente ao complemento de estabilização, este passa a corresponder à diferença entre os valores da remuneração base declarados relativos ao mês de fevereiro de 2020 e aos 30 dias seguidos em que o trabalhador esteve abrangido por uma das duas medidas referidas no número 1 do artigo 3.º (do mesmo Decreto-Lei n.º 58-A/2020), em que se tenha verificado a maior diferença. O período de 30 dias seguidos é contado a partir do primeiro dia em que o trabalhador esteve abrangido por uma das medidas referidas também no n.º 1 do mesmo artigo.
Ainda no dia 14 de Agosto, a Resolução de Ministros n.º 63-A/2020 (“RCM”) veio prorrogar a declaração da situação de contingência e alerta no âmbito da pandemia da doença COVID-19 até dia 31 de Agosto (anteriormente prevista até ao dia 14 de Agosto).
O aspeto primordial da RCM prende-se com a manutenção do regime do teletrabalho. Quanto a este regime, mantém-se, como princípio geral, o de o empregador proporcionar ao trabalhador condições de segurança e saúde adequadas à prevenção de riscos de contágio decorrentes da pandemia da doença COVID -19, adotando, sempre que possível, o regime de teletrabalho. Quando requerido pelo trabalhador, independentemente do vínculo laboral e sempre que as funções em causa o permitam, este regime é obrigatório nas seguintes situações: i) quando o trabalhador, mediante certificação médica, se encontrar abrangido pelo regime excecional de proteção de imunodeprimidos e doentes crónicos, nos termos do artigo 25.º -A do Decreto -Lei n.º 10 -A/2020, de 13 de março ; ii) o trabalhador seja portador de deficiência, com grau de incapacidade igual ou superior a 60 %. Este regime é ainda obrigatório, independentemente do vínculo laboral e sempre que as funções em causa o permitam, quando os espaços físicos e a organização do trabalho não permitam o cumprimento das orientações da DGS e da Autoridade para as Condições do Trabalho sobre a matéria, na estrita medida do necessário (art. 4.º do Anexo da Resolução de Ministros n.º 63-A/2020).
Face à permanência deste regime, questionamo-nos: não será altura de iniciar a reforma do mesmo? Decorrido este tempo de “experimentação” desde o início do período de confinamento, mantêm-se por responder diversas questões sobre as quais algumas já tivemos oportunidade de refletir (Cfr. Acidentes de trabalho em “teletrabalho”?; Teletrabalho, Instrumentos de Trabalho e Segurança: Que relação?; Teletrabalho e COVID-19: limites à fiscalização do empregador), cujas respostas, não obstante a sucessão de diplomas legais, tardam em chegar. É hora de o legislador pôr os olhos no futuro e, paralelamente, aos desafios constantes que esta pandemia traz, procurar começar a assentar os alicerces do futuro regime do teletrabalho.
Luísa S. Pereira l Joana Guimarães | DCM LAWYERS