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Liberdade de Expressão e Informação VS Direito ao Bom Nome e Reputação – Colisão de Direitos?

By 25 Março, 2024No Comments

Quer a liberdade de expressão e de informação, quer os direitos pessoais ao bom nome e reputação, gozam de assento constitucional, respetivamente, nos artigos 37.º, 38.º e 26.º da Constituição da República Portuguesa, sem, contudo, ser estabelecida entre eles uma hierarquia.

É certo, que o suposto e desejável é que estes direitos sejam sempre exercidos de forma a não interferirem um com o outro, porém, nem sempre isso acontece e não raras são as vezes em que verificamos uma conflitualidade entre estes direitos fundamentais, sem que da Lei Fundamental resulte uma solução para a resolução deste conflito.

Contudo, uma coisa é certa, sempre que existe um conflito entre estes direitos (liberdade de expressão e de informação e direito ao bom nome e reputação), verificando-se por isso uma impossibilidade de harmonização entre eles, um deles tem de prevalecer.

Em Portugal, a liberdade de imprensa foi uma das conquistas em matéria de liberdades fundamentais, proporcionadas pela nova realidade política e democrática instaurada pela revolução do 25 de Abril de 1974, pondo-se fim ao período de censura.

Consequentemente, foi consagrada como direito fundamental pela Constituição de 1976.

Tendo em conta a contribuição e relevância da função informativa para a sociedade, o Estatuto dos Jornalistas e o Código Deontológico do Jornalista, definem uma série de regras a que aquela deve obedecer, nomeadamente, o rigor, a veracidade, a credibilidade da fonte, a seriedade, a imparcialidade e a objetividade, devendo apenas serem divulgados os factos que sejam de interesse público, evitando impor-se sobre outros direitos fundamentais (como a honra e o bom nome).

Hoje em dia, a relação entre o exercício destes dois direitos fundamentais assume particular relevo, tem em conta a massificação dos órgãos de comunicação social e o facto da grande maioria da sociedade apreciar, não uma informação fundada no interesse público, mas sim um jornalismo baseado no sensacionalismo e mediatismo.

Porém, existem casos em que poderá haver uma colisão destes direitos fundamentais, nomeadamente, quando é manifesto o interesse público da notícia. É inequívoca a importância dos órgãos de comunicação social, pois, por lado são os titulares do dever de informar e por outro lado, os responsáveis por garantir o direito que todos os cidadãos detêm: o direito de serem informados.

Sucede que, os direitos à honra e ao bom nome, muitas vezes são violados de forma grave e dificilmente reparável através dos meios de comunicação social que, muitas vezes, castigam de forma severa.

Nestas situações, em que se verifica uma conflitualidade entre a liberdade de expressão e informação, a liberdade de imprensa dos meios de comunicação social com outros direitos fundamentais, como acontece com o direito ao bom nome e reputação, estamos perante uma colisão de direitos. E, isto acontece, porque a Constituição não define uma hierarquia entre estes direitos fundamentais, nem tão pouco resolve a eventual conflitualidade que possa existir entre o exercício destes direitos.

Pelo que, sempre que tal se verifica é imprescindível encontrar uma solução para a resolução deste conflito e que passa pela realização de uma ponderação de bens jurídicos, que são tutelados pelos direitos fundamentais em conflito, de otimização e de proporcionalidade, a que a doutrina e jurisprudência tem chamado de teoria da concordância pratica, segundo a qual o desejável é a harmonização dos valores constitucionais em colisão e somente nos casos em que tal não se mostra possível, se deverá optar pela prevalência de um ou de outro.

É de referir que o Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social tem considerado ser o interesse público o ponto chave, referindo nas suas deliberações[1] que:

“havendo colisão da liberdade de imprensa com algum outro valor constitucionalmente resguardado, a prevalência de um sobre o outro resultará de uma avaliação concreta das circunstâncias de cada situação, tendo em conta que entre bens jurídicos da mesma dignidade frege o princípio do equilíbrio. O interesse público dos factos noticiados é o ponto de referência na operação de compatibilização entre a liberdade de imprensa e outros valores constitucionalmente consagrados e que com aquela possam conflituar”.

No nosso ordenamento jurídico, durante muito tempo, a jurisprudência ia praticamente toda no sentido de dar primazia ao direito à honra e ao bom nome e reputação em detrimento da liberdade de imprensa, justificando tal entendimento pelo facto de se tratar de um direito de personalidade e por isso intimamente ligado à dignidade da pessoa humana, atribuindo-lhe um valor superior à liberdade de expressão, e ainda pelo facto da Constituição apenas prever a existência de restrições à liberdade de expressão.

Acontece que, ao contrário da nossa jurisprudência, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem optado por fazer uma interpretação restritiva das exceções ou condicionamentos da liberdade de expressão e informação, e consequentemente atribuir um valor primordial à liberdade de imprensa, considerando a liberdade de expressão fundamental para a existência de uma sociedade democrática, e essencial para o seu progresso.

A propósito daquilo que tem sido o caminho trilhado pelo TEDH, no âmbito desta matéria, não podemos deixar de fazer menção ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n.º 1272/04.7TBBCL.G1.S1, no dia 30.06.2011, no qual é feita uma súmula dos fundamentos que o TEDH tem utilizado para justificar a atribuição da prevalência à liberdade de expressão e informação em detrimento do direito ao bom nome[2]:

 “a liberdade de expressão constitui um dos pilares fundamentais do Estado democrático e uma das condições primordiais do seu progresso e, bem assim, do desenvolvimento de cada pessoa; As excepções constantes deste n.º 2 devem ser interpretadas de modo restrito; Tal liberdade abrange, com alguns limites, expressões ou outras manifestações que criticam, chocam, ofendem, exageram ou distorcem a realidade; Os políticos e outras figuras públicas , quer pela sua exposição, quer pela discutibilidade da ideias que professam, quer ainda pelo controlo a que devem ser sujeitos, seja pela comunicação social, seja pelo cidadão comum – quanto à comunicação social, o Tribunal vem reiterando mesmo a expressão “cão de guarda da democracia” – devem ser mais tolerantes a criticas do que os particulares, devendo ser, concomitantemente, admissível maior grau de intensidade destas.”

Facilmente se percebe este entendimento se tivermos em linha de conta que a própria Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) não tutela o direito à honra, surgindo apenas uma referência no seu texto a propósito dos limites à liberdade de expressão (art. 10.º, n.º 2 CEDH).

Atualmente, e não obstante ainda haver alguma jurisprudência mais conservadora e protetora da honra, são cada vez mais as decisões proferidas pelos tribunais portugueses, principalmente, pelos tribunais superiores, que convergem com o entendimento do TEDH.

Joana Azenha @ DCM | Littler

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[1]V. Deliberação n.º 27/CONT-I/2012, de 15 de novembro de 2012 e Deliberação ERC/2017/120 (CONT JOR), de 31 de maio de 2017.

[2]V.  Acs do TEDH, Público c. Portugal, de 7.12.2010, Women on Waves e Outros c. Portugal, de 03.02.2009, Alves Silva c. Portugal, de 20.10.2009 e Almeida Azevedo c. Portugal, de 23.01.2007.