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Luto gestacional: Um aditamento ao regime de faltas?

By 26 Maio, 2021No Comments

Os processos relacionados com a morte foram sistematicamente empurrados para os bastidores da vida social durante vários séculos, o que não será de estranhar, uma vez que se trata de um tema delicado e capaz de ferir suscetibilidades.

A perda gestacional, infelizmente, comum nas primeiras 12 semanas de gravidez, tem sido um assunto esquecido pelo legislador laboral , o qual ainda não se debruçou plenamente. Mas deverá? Somos a acreditar que a valoração do sofrimento da perda gestacional deverá ser igual à perda de qualquer outro ente querido. Analisemos.

Na última década temos assistido a um fervilhar da luta pela igualdade das mulheres no seio laboral, uma luta que procura equilibrar as necessidades daquelas com questões como a gravidez e apoio à família, de forma a aumentar os que às vezes as levam a perder o avanço e outras oportunidades, quando comparadas com os seus colegas.  Por outro lado, a questão da saúde mental no trabalho tem vindo a ser cada vez mais desenvolvida. Não devemos esquecer que, na grande maioria, a parentalidade é um projeto a dois.

Foi, pois,  nesta linha que no passado dia 24 de março a Nova Zelândia, aprovou uma licença remunerada de três dias para os  casais que sofreram aborto espontâneo, tornando-se um país na vanguarda no que tange a esta matéria. Esta licença foi concebida quer para abortos espontâneos, para gravidez de substituição e para adoção.  Os empregadores, como em alguns outros países, já tinham a obrigação de conceder licença remunerada em caso de natimorto. A nova legislação veio, portanto, ampliar essa licença para quem perde a gravidez a qualquer momento, eliminando alguma ambiguidade que pudesse recorrer da lei.

E em Portugal, o que se sucede? Talvez impulsionado pelo passo dado pela Nova Zelândia, no passado dia 29 de março, foi apresentado o projeto de lei n.ºº 767/XIV/2ª , pelo reconhecimento do direito ao luto em caso de perda gestacional , tendo em vista garantir que os pais e mães que sofram uma perda gestacional tenham direito até três faltas justificadas consecutivas, sem perda de remuneração.

O artigo 251.º do Código do Trabalho, permite ao trabalhador faltar de forma justificada, dependendo o número de dias do grau de parentesco. porém, a lei não contempla todas as situações de perda: como é o caso do aborto espontâneo.

O leitor mais precipitado pensará: “mas já existe uma licença por interrupção da gravidez” e de facto, não será engano, tal como dispõe o artigo 38.º do Código do Trabalho, porém, tal licença não abrange o pai nem os  beneficiários da gravidez de substituição, sendo a lei clara ao referir “ a trabalhadora”.

Ainda que as situações não possam ser analisadas apenas da perspetiva do trabalhador, sendo imperioso fazer o balanço entre as necessidades daquele e os interesses do empregador, é certo que a perda gestacional de uma mãe e do respetivo pai, acarretam emoções específicas, que não deverão ser cumuladas com o stress do trabalho.  Ademais, em muitos casos, há que valorar a perda silenciosa que pode rodear esta situação, uma vez que, na grande maioria das vezes, os primeiros 3 meses são vividos em silêncio.

Poder-se-á questionar, até, se 3 dias são suficientes e qual a compatibilização com a licença por interrupção que já existe. Compatibilizar ou alterar?

Não poderá ser esquecido que os trabalhadores que se encontram na (infeliz) situação sobre a qual nos debruçamos, atravessam uma fase difícil, íntima e que pode afetar o desempenho laboral. Assim, compete ao Legislador, com conta, peso e medida, assegurar as melhores condições para que aqueles recomecem a sua nova normalidade: do luto à luta.

Joana Guimarães | Catarina Venceslau de Oliveira | DCM Lawyers