A expressão das famílias monoparentais na nossa sociedade, a consequente atenção que lhes vem sendo dada, face aos desafios que enfrentam, é cada vez mais indiscutível. Neste sentido, atendendo à importância da temática, aqui versaremos a conciliação da vida familiar e profissional, mais concretamente, de uma mãe solteira, após o nascimento de um filho.
Esta nossa reflexão decorre das recentes notícias do nosso país vizinho (Espanha), que dão conta de uma sentença que decidiu que uma mãe solteira deveria disfrutar de oito semanas adicionais de licença, após o nascimento do filho. Ou seja, a trabalhadora, mãe solteira, gozaria tanto a licença parental inicial da mãe como a licença parental que caberia ao pai, o que supõe oito semanas adicionais por nascimento do filho.
No caso concreto da sentença, a trabalhadora, dias antes de terminar a sua licença parental, solicitou ao Instituto de Segurança Social espanhol a extensão da mesma até ao tempo que corresponderia ao outro progenitor, caso não se tratasse de uma família monoparental. No entanto, o Instituto de Segurança Social espanhol indeferiu o pedido alegando que a legislação nacional não contempla a possibilidade de cumulação da licença que caberia ao outro progenitor no caso de famílias monoparentais. Não contente com o indeferimento a trabalhadora recorreu aos Tribunais e ficou decidido que teria 8 (oito) semanas adicionais por ser mãe solteira. A sentença ainda é recorrível para o Tribunal Superior de Justicia de Castilla y León por parte do Instituto de Segurança Social espanhol.
A fundamentação da sentença centrou-se no superior interesse da criança, entendendo mesmo que outra decisão seria discriminatória daquela criança face a outras crianças nascidas em famílias nucleares, contendendo com o direito de igualdade previsto na Convenção sobre os Direitos da Criança. Explicitou que fazer uma interpretação literal da lei, ao impedir que sejam transferidos os dias de licença ao outro progenitor, supõe uma discriminação da criança nascida numa família monoparental, ante uma outra criança nascida numa família nuclear. Assim, concluiu-se que a trabalhadora, mãe solteira, teria direito a somar à sua licença parental, mais oito semanas que correspondem às que seriam gozadas pelo outro progenitor se não se tratasse de uma família monoparental.
Olhando agora ao nosso ordenamento jurídico, a legislação permite o gozo de licença parental à mãe e ao pai (nos termos dos arts. 39.º, 40.º, 41.º e 43.º do CT). A única previsão para “transferência do gozo” de dias da licença, são as previstas no art. 42.º do CT e supõem a impossibilidade do gozo da licença pelo outro progenitor, seja por morte ou incapacidade física ou psíquica. Não existe, portanto, nenhuma norma que regule a licença parental em famílias monoparentais, que permita a uma mãe solteira o gozo de semanas adicionais. Assim, à semelhança do que ocorre em Espanha, parece-nos que não decorre diretamente da lei a possibilidade de cumular os dias de licença parental do outro progenitor. Poderia ser equacionável uma solução idêntica em Portugal, por recurso à mesma Convenção sobre os direitos da Criança. No entanto, face à legislação em vigor tal não seria possível, e muito provavelmente, o Instituto de Segurança Social português daria uma resposta semelhante à sua congénere espanhola.
Parece que caminhamos para a maior consciencialização da efetiva necessidade de previsões legislativas para a conciliação da vida pessoal e profissional, bem como, de todos os desafios que envolve e as discriminações que pode acarretar.
Continuaremos atentos.
Ana Amaro | DCM Lawyers