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Mais serventias para a arbitragem não voluntária

By 17 Novembro, 2023No Comments

Enquanto noutros domínios floresce a arbitragem voluntária como processo de resolução extrajudicial de conflitos, na área laboral ela é, praticamente, inexistente. Em contrapartida, a arbitragem imposta, sob várias designações e com diversos propósitos, transformou-se numa rotina, acerca da qual se manifesta um tendencial e muito curioso consenso social e político. Este fenómeno, que está por estudar, constitui, desde logo um sintoma do estado em que se encontra o sistema de relações laborais português.

Assim, por conjugação de preceitos do Código do Trabalho (CT) e do decreto-lei nº 259/2009, de 25/9, estão reguladas três modalidades de arbitragem não voluntária: a arbitragem dita “obrigatória”, para resolução de conflitos sobre a celebração ou revisão de convenções (art. 508 do CT; a arbitragem dita “necessária”, para preenchimento de vazios convencionais que durem mais de 12 meses, após a caducidade de uma convenção (art. 510º do CT); e a arbitragem dita também “obrigatória”, para definição de serviços mínimos a prestar durante greves nos serviços essenciais (art. 538º do CT).

As duas primeiras modalidades são ativadas por decisões políticas do Ministro do Trabalho, embora a primeira pressuponha intervenção da Comissão Permanente de Concertação Social. A terceira avança automaticamente perante a constatação da inviabilidade de acordo entre as partes envolvidas num conflito com pré-aviso de greve.

Nos termos do decreto-lei nº 259/22009, todas essas modalidades são operacionalizadas com base num colégio de árbitros que está alojado no Conselho Económico e Social (CES), e a partir do qual, por sorteios, são constituídos tribunais arbitrais para cada uma das situações que o exijam.

O mecanismo assenta manifestamente no pressuposto de que as partes conflituantes não são capazes de se porem de acordo acerca de nada, mas estão dispostas a aceitar passivamente aquilo que lhes seja imposto…

A gratuitidade que caracteriza esses procedimentos – ao contrário do que ocorreria na arbitragem voluntária – é também, provavelmente, uma razão para essa passiva aceitação.

Acaba de ser publicado (em separata do BTE de 14/11/2023) um projeto de decreto-lei que, na sequência de alterações introduzidas no CT pela lei nº 13/2023, de 03/04, das quais resultou o estabelecimento de novas modalidades de arbitragem não voluntária, alargou o âmbito de atuação, e também a composição, do colégio de árbitros do CES, de modo a abranger essas novas modalidades.

Trata-se da arbitragem para apreciação dos fundamentos da denúncia de uma convenção (art. 500º-A do CT) e da arbitragem para suspensão do período de vigência e mediação, sobre convenções denunciadas (art. 501º-A do CT). Diversamente das modalidades já existentes, estas arbitragens suporão decisões de “deferimento” do presidente do CES, sobre requerimentos de uma das partes envolvidas.

O aumento do volume de solicitações que essas novas modalidades poderão envolver é correspondido com o alargamento do número de árbitros constante das listas sobre as quais são realizados os sorteios no CES.

Assiste-se, assim, a uma verdadeira institucionalização da arbitragem não voluntária em Portugal – apesar de se saber que, segundo a doutrina da Organização Internacional do Trabalho, esse é um mecanismo indesejável, que só excecionalmente pode justificar-se.

António Monteiro Fernandes @ Of Counsel, DCM | Littler