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Mais um passo na caminhada contra a discriminação em razão de deficiência

By 6 Fevereiro, 2024No Comments

Em causa está um pedido de decisão prejudicial que ter por objeto a interpretação de alguns artigos da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional.

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe um trabalhador espanhol e a sua entidade patronal, por cessação do contrato do primeiro pela segunda, motivado pela sua incapacidade permanente total para exercer a sua profissão habitual, consequência de um acidente de trabalho.

Este pedido foi necessário, uma vez que se verifica uma contradição entre a solução dada pela lei nacional espanhola e o disposto na Diretiva quando à incapacidade como motivo para despedimento de trabalhadores.

Assim, temos que a lei espanhola prevê que “o contrato de trabalho cessa em caso de morte, de incapacidade permanente que necessite de assistência de um terceiro ou de incapacidade permanente total ou absoluta do trabalhador”, não sendo, segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Espanhol, obrigatório proceder à reafectação do trabalhador a um posto adequado à sua incapacidade, a menos que referido expressamente em convenção coletiva de trabalho, ou que decorra do próprio contrato.

Por sua vez, a supra referida Diretiva confere às pessoas em situação de incapacidade total o estatuto de pessoa com deficiência e a mesma prevê que “para garantir o respeito do principio da igualdade de tratamento relativamente às pessoas deficientes, são previstas adaptações razoáveis[1]”, tendo já o Tribunal de Justiça declarado que, quando um trabalhador se torna definitivamente inapto para ocupar o seu posto de trabalho, a sua reafectação a outro posto de trabalho constitui uma medida adequada no âmbito das adaptações razoáveis.

Desta forma, perante esta incoerência entre o Direito da União e o Direito interno, vem o Tribunal Superior de Justiça das lhas Baleares submeter ao TJUE as seguintes questões prejudiciais:

1. Deve o artigo º da Diretiva ser interpretada no sentido de que se opõe à aplicação de uma norma nacional que prevê como causa automática de cessação do contrato de trabalho a deficiência do trabalhador, sem cumprimento prévio da obrigação de adotar “adaptações razoáveis”?

2. Devem os artigos 2.º, n.º 2 e 4.º n.º 1 da Diretiva serem interpretados no sentido de que a cessação do contrato sem cumprimento prévio da obrigação de adotar “adaptações razoáveis” constitui discriminação direta, mesmo quando uma disposição legal interna determine a cessação?

A este respeito, o TJUE responde em sentido favorável para o direito à não discriminação, tirando as seguintes conclusões:

  • Por força do artigo 3.º, n.º 1, alínea c), a Diretiva é aplicável a todas as pessoas, tanto no setor público como no privado, no que diz respeito às condições de despedimento;
  • Uma situação como a que está em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva;
  • A entidade patronal está obrigada a tomar as medidas necessárias, tendo em conta cada situação concreta, para que qualquer pessoa portadora de deficiência tenha acesso a um emprego, ao seu exercício e progressão;
  • A regulamentação nacional espanhola prejudica o efeito útil do artigo 5.º da Diretiva 2000/78, sendo, ademais, contrária ao objetivo de integração profissional das pessoas com deficiência, previsto no artigo º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
  • Os estados-membros, no exercício da sua competência exclusiva de organização do Sistema de Segurança Social, devem respeitar o direito da União pelo que, uma regulamentação nacional nesta matéria não poderá contrariar o artigo 5.º da Diretiva 2000/78.

A decisão final do TJUE é no sentido de que o artigo 5.º da Diretiva deva ser interpretado de forma a opor-se a uma regulamentação nacional que preveja que a entidade patronal possa cessar o contrato de trabalho, pelo facto de o trabalhador estar permanentemente incapacitado para executar as tarefas que lhe incumbem, devido à ocorrência de uma deficiência durante a relação laboral, sem que a entidade patronal esteja previamente obrigada a prever ou a manter adaptações razoáveis para permitir a esse trabalhador conservar o seu emprego, nem a demonstrar que essas adaptações constituem um encargo desproporcionado.

A importância das políticas de não discriminação em relações laborais é crescente e esta decisão vem enfatizar a necessidade de as empresas cumprirem com as medidas previstas, não só na Diretiva 2000/78/CE, mas das restantes normas internacionais, representando mais um passo na caminhada contra a discriminação.

 

Filipa Bilé Grilo @ DCM | Littler

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[1] Nas palavras da lei, “reasonable accomodation”. Este preceito pressupõe que, perante um trabalhador portador de deficiência, sejam feitas as necessárias adaptações e ajustes, de modo a garantir que trabalhadores portadores de deficiência têm acesso aos mesmos direitos e privilégios no emprego que os demais trabalhadores.