O conceito de empresa tem sido alvo de mudança ao longo dos tempos. Se um dia tal conceção teve subjacente uma ótica industrial, hoje vivemos num mundo altamente tecnológico, onde as conhecidas StartUps nascem e florescem de forma rápida e exponencial. Uma vez que as empresas constituem o foco do Direito do Trabalho, este tem vindo a adaptar-se à nova realidade empresarial em que vivemos, sendo que a tendência tem sido a construção de regimes laborais diversificados, adaptados àquelas que são as novas estruturas empresariais.
O que é uma microempresa? O Código do Trabalho, optando por um critério ocupacional, define como microempresa aquela que emprega menos de dez trabalhadores (art. 100.º, n.º 1, al. a) do CT). Uma vez que o tecido empresarial português é maioritariamente constituído por nano e microempresas, existe um conjunto de especificidades ao nível da legislação laboral dirigidas a estas últimas. Analisemos.
Quanto à matéria do tempo de trabalho: o horário de trabalho é elaborado pelo empregador (art. 215.º, n.º 1, do CT). Em caso de alteração, a mesma deve ser precedida de consulta aos trabalhadores envolvidos e afixada na empresa com 3 (e não 7, como sucede para os restantes tipos de empresas) dias de antecedência – art. 217.º, n.º 2, do CT. Também os limites do trabalho suplementar são diferentes no caso das microempresas, sendo de 175 horas por ano, ao invés de 150 horas, como é o caso das médias ou grandes empresas (art. 228.º, n.º 1, als. a) e b) do CT.
No caso das microempresas, uma vez que não se encontram abrangidas pelo âmbito de aplicação do art. 241.º n.º 3, do CT, o empregador pode marcar unilateralmente o período de férias, não encontrando qualquer limite temporal. O mesmo não sucede nas empresas de restante dimensão em que, segundo os n.ºs 1 e 2 desse mesmo artigo, a marcação unilateral só poderá acontecer entre 1 de Maio e 31 de Outubro.
Ainda na circunstância de se tratar de uma microempresa, a concessão da licença sem retribuição pode ser recusada, caso não seja possível a substituição adequada do trabalhador -art. 317.º, n.º 3, al. d) do CT.
Também no âmbito da licença paternal encontramos a nuance de que o gozo de licença parental inicial em simultâneo, de mãe e pai que trabalhem na mesma microempresa, depende de acordo com o empregador – art. 40.º, n.º 9, do CT.
Já em matéria de transmissão de empresa ou estabelecimento: no caso de médias ou grandes empresas, o transmitente deverá informar o serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral do conteúdo do contrato e, havendo transmissão económica, dos elementos que a constituíram – art. 285.º, n.º 8, do CT. Caso se trate de microempresa, tal disposição legal só será aplicada a pedido do serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral – art. 258.º, n.º 9, do CT.
Por fim, em matéria de despedimento, encontramos diversas particularidades. Desde logo, a dimensão de uma empresa tem impacto para a própria caracterização de um certo tipo de despedimento. Pense-se no caso do despedimento coletivo em que, no caso de microempresa, será considerado aquele que promove pelo menos dois trabalhadores e não cinco, como é exigido caso se trate de média ou grande empresa – art. 359.º, n.º 1, do CT.
No que tange ao despedimento com justa causa, existe um aligeiramento das comunicações a efetuar pelo empregador no âmbito do procedimento disciplinar. Com efeito, o legislador prevê um processo disciplinar mais simplificado, sobretudo nas comunicações às comissões de trabalhadores, a ser aplicado às microempresas, caso o trabalhador não seja membro de comissão de trabalhadores ou representante sindical – art. 358.º do CT.
Já o encerramento definitivo das pequenas, médias e grandes empresas, segundo o art. 346.º, n.º 3 do CT, terá como efeito a caducidade dos contratos de trabalho, devendo seguir-se o procedimento previsto nos arts. 360.º e seguintes do CT (relativos ao despedimento coletivo), com as necessárias adaptações. No caso das microempresas, bastará que o trabalhador seja informado do respetivo encerramento com a antecedência prevista no art. 363.º, n.ºs 1 e 2, do CT – art. 346.º, n.º 4, do CT.
Em caso de despedimento ilícito, a regra é que há lugar à reintegração do trabalhador na empresa. Porém, tratando-se de microempresa, poderá haver oposição à reintegração por parte do empregador, desde que devidamente fundamentado e justificado que tal reintegração poderá levar à perturbação do normal funcionamento da empresa – art. 392.º, n.º 1, do CT.
Ainda que as diferenças mais significativas sejam sentidas no direito laboral individual, no direito coletivo também encontramos referências às microempresas. Veja-se, nomeadamente, o art. 422.º, n.º 2, do CT que reduz o crédito de horas mensais de membros das comissões para metade. Veja-se, igualmente, o art. 466.º, n.º 3, do CT, que dispõe que o direito à informação e consulta do delegado sindical sobre determinadas matérias da empresa, não se aplica às microempresas.
Todos os traços de regime apontados evidenciam que a realidade das microempresas merece particular atenção legislativa e a flexibilização de algumas normas laborais rígidas.
Será esta flexibilização normativa suficiente para acomodar as especificidades de nano e microestruturas empresariais e, simultaneamente, garantir os direitos laborais dos trabalhadores? É um tópico que merece reflexão.
Luísa S. Pereira l Joana Guimarães l DCM LAWYERS