No passado dia 8 de novembro de 2023, o Tribunal da Relação de Lisboa veio confirmar a decisão do Juízo de Trabalho de Ponta Delgada do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores relativamente a um processo de resolução de contrato de trabalho, pelo trabalhador, com justa causa.
Em causa estava o recurso interposto pela entidade empregadora com o fundamento na caducidade do prazo para resolução do contrato de trabalho. O litígio opunha uma trabalhadora, que desempenhava as funções de escriturária, e sua entidade empregadora. A trabalhadora desempenhava a plenitude das suas funções até à sua ausência por baixa médica. Após o seu regresso, as funções até então desempenhadas pela trabalhadora passaram a ser exercidas por outra colega tendo-lhe sido retirado todo o material de trabalho, incluindo o computador, sem ter sido dada qualquer justificação por parte da entidade empregadora.
Desde o regresso ao trabalho por parte da trabalhadora e até à visita da entidade fiscalizadora competente, não foi atribuída nenhuma tarefa à trabalhadora. Só após uma ação de fiscalização por parte da Inspeção Regional do Trabalho é que foram atribuídas funções à trabalhadora que em nada estavam relacionadas com o contrato de trabalho celebrado entre as partes. Inconformada com a situação, a trabalhadora interpôs procedimento cautelar tendo-lhe sido reconhecido o direito ao exercício das funções para as quais tinha sido contratada. A partir dessa data, a entidade empregadora não facultou à trabalhadora as chaves de acesso à instalação onde desempenhava as funções e atribuiu-lhe novas tarefas que continuavam desconformes com o estipulado no contrato de trabalho.
Após os factos, a trabalhadora comunicou à entidade empregadora de forma escrita a resolução do contrato de trabalho com justa causa.
Estamos perante um caso de mobbing laboral? E quanto ao prazo de resolução de contrato pelo trabalhador, é contabilizado a partir de quando?
Comecemos por definir o que é o mobbing: consiste na prática persecutória reiterada, contra o trabalhador, levada a efeito e em regra, pelos superiores hierárquicos ou pelo empregador, tendo por objetivo ou como efeito afetar a dignidade do visado, levando-o eventualmente ao extremo de querer abandonar o emprego.
A atuação da entidade empregadora de atribuição de tarefas diferentes das que constam no contrato de trabalho ou até mesmo a não atribuição de nenhuma tarefa à trabalhadora,
consiste numa clara tentativa de impedir a trabalhadora de desempenhar de forma efetiva a prestação do trabalho, cfr. artigo 129º nº1 a) do Código do Trabalho. Estamos, indiscutivelmente, perante uma clara violação dos deveres do empregador cfr. artigo 127º nº1 a) do Código do Trabalho, ofensiva para a dignidade da trabalhadora, cfr. artigo 15º do Código do Trabalho, constituindo-se assim uma situação de assédio, cfr. artigo 29º nº1 do Código do Trabalho.
Os requisitos que têm de verificar-se para que exista assédio numa das modalidades cobertas pelo artigo 29.º n.º 2 do Código do Trabalho são a existência de um comportamento voluntário (embora não intencional), esse comportamento deverá ser indesejado, praticado no local de trabalho e deverá ter como objetivo ou efeito constranger ou criar um ambiente hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador para o trabalhador.
A lei não estabelece um número de infrações para que estejamos perante uma situação de assédio, apenas se pode extrair que deverá ser um comportamento prolongado e reiterado que resulte na criação de um ambiente hostil, humilhante, intimidativo, degradante ou desestabilizador que afete a dignidade da trabalhadora.
In casu, as constantes mudanças por parte da empregadora, nomeadamente tarefas e local de trabalho, levaram a que houvesse um ambiente hostil para o desempenho das funções da trabalhadora, configurando-se assim uma situação de mobbing laboral.
Quanto ao prazo para a resolução do contrato por justa causa por parte do trabalhador, nos casos em que existem violações contratuais com caráter continuado que resultem num comportamento reiterado e prolongado no tempo, a letra da lei do artigo 395º nº1 do Código do Trabalho deverá ser interpretada no sentido de contabilizar este prazo a partir da prática do último facto.
In casu, este período não se encontrava esgotado dado que o último comportamento persecutório da empregadora ocorreu em janeiro de 2022 e a carta a resolver o contrato fora enviada em fevereiro de 2022 ainda dentro do prazo previsto legalmente.
A posição assumida tanto pela Relação como o Tribunal da 1ª instância quanto à contagem do prazo parece ser a mais adequada dado que restringir este prazo seria uma situação injusta para o trabalhador e acabaria por configurar uma violação dos direitos dos trabalhadores.
Gonçalo Rodeia Gomes @ DCM | Littler