Muito se tem discutido, no mundo jurídico, a propósito das novas “moedas digitais” ou dos ativos virtuais, i.e., cripto-moedas, as muito aludidas Bitcoins, bem como os NFTs (Non-fungible Tokens) [este último configurando enquanto “token” ou símbolo criptográfico]. Assumiremos a referência genérica às “moedas digitais” como referência à “moeda de troca no comércio” – represente este ativo uma verdadeira moeda digital (com valor patrimonial) ou um outro símbolo virtual que tenha também um valor patrimonial.
É inegável o valor das moedas digitais no mercado internacional. Além-fronteiras diversas são as experiências em que (i) os cidadãos adquirem casas com este tipo de ativos digitais; (ii) realizam apostas online (em contexto desportivo ou de outro contexto de exercício lúdico [gaming]); (iii) ou mesmo quem pura e simplesmente atua no meta-verso, sendo esse o seu espaço virtual para a realização dos seus negócios (com ou sem recurso à moeda digital).
No âmbito contratual, este tipo de desafios já foi colocado para efeitos do Direito Civil, v.g., quando um prestador de serviços presta o seu trabalho com uma contraprestação, na integra ou parcialmente, em cripto-moedas, ou em troca de um NFT. Com os especiais deveres de informação que podem informar esta prestação, variando a intensidade, salvo melhor entendimento, conforme o setor onde a prestação é efetuada e os conhecimentos próprios da atividade profissional.
No âmbito laboral mais dúvidas se colocam a propósito da remuneração do trabalhador. Adiantamos, desde já, que a ACT se revelou um tanto conservadora quanto a este aspeto, ao desconsiderar estes “meios de pagamento” enquanto remuneração (e, até, enquanto remuneração em espécie).
Podemos admitir, em tese, o pagamento da remuneração enquanto moeda digital, de um modo parcelar. Reflita-se da seguinte forma, para futura discussão:
- Uma admissão limitada (pagamento parcial em moeda digital), salvaguardando uma RMMG (o correspondente à remuneração mínima mensal garantida deverá ser garantido ao trabalhador, enquanto “moeda normal”);
- Sendo paga enquanto retribuição em espécie.
A questão não é líquida e existem já diferentes opiniões quanto a este respeito. Ora se, de facto, existe uma remuneração em espécie e se esta está limitada a um limite de 50% (?). Ora se se deve avaliar (e como se avalia) o respetivo valor. Que valoração operar a um ativo que se encontra num mercado por regular (ou que não constitui moeda em curso)? As ausências de regulação expressa, do ponto de vista remuneratório e laboral, tornam este pagamento ilícito?
O arts. 259.º e 276.º, ambos do CT, não podem “escapar” à presente discussão. Denote-se que parece não merecer grande dúvida de que os pagamentos podem ocorrer imaterialmente (ou digitalmente). E que, a propósito das necessidades pessoais não parecem merecer grandes dúvidas quando um trabalhador pode, em abstrato, possuir um mercado ou um negócio, próprio, no meta-verso, ou se se dedicar a leilões internacionais operacionalizados online. E se o trabalhador transacionar no mercado internacional, não poderá sempre converter este dinheiro? E se o trabalhador, consciente dos riscos, arrisca guardar e apostar para um futuro mercado (a ser regulado) internamente?
Será certo, também, que as implicações fiscais e contributivas (ou, melhor, a ausência de abuso ou de fraude à lei) não devem ser olvidadas no presente escólio. Aguardaremos por futuros desenvolvimentos.
Estaremos atentos.
Tiago Sequeira Mousinho @ DCM Littler