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Movember allowed?

By 4 Dezembro, 2023No Comments

Em Portugal vai sendo cada vez mais comum a aceitação de movimentos de sensibilização que iniciam os seus passos no panorama internacional. Nesse sentido, o mês de Novembro já poderá ser considerado como o mês do “Movember”, um movimento de sensibilização mundial para os problemas de saúde masculinos como seja, por exemplo, o cancro da próstata e dos testículos.

Este movimento, com vista ao impacto público da problemática e com vista a fomentar o diálogo e abertura sobre estes temas de saúde masculina, propõe à população masculina um desafio: usarem um bigode durante o mês de novembro.

Apesar do mérito e importância da causa, poderão existir situações em que a demonstração de apoio ao movimento, através do uso do bigode, poderá colidir com as regras da prestação de trabalho e colocar os trabalhadores em situações desconfortáveis.

“Mas qual é o problema?” poderão algumas pessoas perguntar. Ora, apresentamos dois acórdãos que, versando sobre os limites do poder do empregador na apresentação do trabalhador no local de trabalho, poderão responder a essa pergunta, apesar de serem.

Comecemos pelo acórdão do Tribunal Constitucional datado de 1983 que surge depois de um regulamento impor aos trabalhadores que prestam serviço em transportes coletivos de passageiros a obrigação de se apresentarem devidamente uniformizados e barbeados. O douto Tribunal, fez uma contraposição entre dois artigos:

Se, por um lado, o art. 1.º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito geral baseado na dignidade da pessoa humana, por outro lado, o n.º 2 do art. 18.º do mesmo diploma esclarece que a lei pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Assim, de uma forma um pouco ou tanto jocosa, e não julgando inconstitucional a norma em causa, o Tribunal considerou que:

Todas as deliberações, todos os direitos, sofrem as restrições que o respeito pela liberdade, pelo direito dos outros, impõe.
(…)
É o que se verifica com as pessoas desempenhando certas profissões, como acontece por exemplo com os militares, e com os trabalhadores que desempenham as suas funções em lugares públicos, com estreita ligação com o público. O exagero bem demonstra o absurdo: seria impensável reconhecer como exercício dum direito de personalidade e de um revisor do caminho de ferro, ou um arrumador de uma casa de espetáculos, se apresentar a executar o seu serviço, apenas com uma tanga.

Relevante será também destrinçar qual a argumentação utilizada num acórdão, em 1999, do Supremo Tribunal de Justiça, num processo relativo a um despedimento com justa causa. Neste caso, o despedimento que se impugnava resultava de um trabalhador que se tinha apresentado ao serviço com a barba por fazer e recusou-se a responder ao porquê de não a ter “feita”.

Ora, embora se tenha tido por excessivo o despedimento, o Tribunal em causa considerou que a recusa de prestação de trabalho por parte da empregadora, uma vez que o trabalhador tinha a barba por fazer, é uma ordem legítima baseada, no caso concreto, no Regulamento relativo às condições a que devem obedecer as explorações do jogo do bingo.

O que se verifica é que os acórdãos se basearam política internas escritas da própria entidade empregadora. Mas, aliadas ou em substituição destas não podemos deixar de pensar em usos e costumes laborais ou até por motivos de segurança e saúde no trabalho, que poderá limitar e tornar incompatível a prestação da atividade nestes termos.

Ainda assim, é importante não esquecer o que nos refere o art. 14.º CT cuja a epígrafe é a “Liberdade de expressão e de opinião”. Qual é o limite de liberdade do próprio trabalhador e da vontade do próprio empregador?

Acresce que teremos igualmente de pensar na evolução nos usos e costumes desde 1999 e até à data, pelo que será que as limitações à liberdade de expressão dos trabalhadores aplicadas antes dos anos 2000 ainda teriam aplicação nos dias de hoje?

É uma questão que sempre carecerá de análise casuística e, acima de tudo, com bom senso, pelo que aguardamos por mais desenvolvimentos e possíveis soluções para esta situação cabeluda.

Filipa Lopes Galvão, Maria Beatriz Silva @ DCM | Littler