Em termos práticos, a aplicação da lei no tempo, visa o cumprimento de objetivos – prosseguidos pelo Estado português, que este assumiu diante de outras Instituições (como as da União Europeia), ou que tenha criado diante do novo contexto social.
A “Agenda do Trabalho Digno” constitui exemplo do que se pretende expor, podendo esta ser separada em duas importantes metas.
A primeira meta é diante da OIT (ver aqui e aqui), organização esta que em lado algum é referenciada no preâmbulo da lei, ou em trabalhos preparatórios. O que é de estranhar, sendo esta uma das Fontes matriciais no âmbito do trabalho digno.
A segunda meta é expressa, diante da União Europeia, no objeto do Decreto da AR n.º 36/XV, que altera o Código do Trabalho e Legislação Conexa, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, designadamente: (i) a Diretiva 2019/1152, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativa a condições de trabalho transparentes e previsíveis na União Europeia; (ii) Diretiva (UE) 2019/1158, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores e que revoga a Diretiva 2010/18/UE do Conselho.
Relativamente à primeira Diretiva (Transparência), o prazo de transposição estava previsto até ao dia 01.08.2022 (art. 21.º). Já quanto à segunda Diretiva (Conciliação Familiar), o prazo de transposição estava previsto até ao dia 02.08.2022 (art. 20.º). O que explica, por um lado, o curtíssimo prazo para a entrada em vigor, face ao incumprimento, mas também a técnica de transposição quase acrítica e automática por parte do legislador português.
Atendendo, agora, a datas relevantes, sobre a aplicação da lei no tempo – quanto a apenas dois exemplos, acerca das respetivas disposições mais genéricas:
Norma geral quanto à alteração ao Código do Trabalho (cfr. art. 37.º/ 1 do Decreto). | “(…) entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação”, o que corresponde a 01.04.2023. |
Novo regime do serviço doméstico (cfr. art. 38.º do Decreto). | “(…) entra em vigor decorridos 60 dias após a sua publicação”. Se se assumir a data de publicação do Decreto em DRE, em suplemento sumário, a 06.03.2023, entrará em vigor no dia no dia 05.05.2023. |
A aplicação da lei no tempo não configura um tema simples, pelo que existem outras disposições, específicas, sobre a aplicação de institutos mais sensíveis. Vejamos, uma vez mais, alguns exemplos:
A propósito das compensações pela cessação do contrato de trabalho (regime do art. 366.º CT) | “O constante da nova redação dada ao n.º 1 do artigo 366.º do Código do Trabalho, apenas se aplica ao período da duração da relação contratual contado do início da vigência e produção de efeitos da presente lei”, cfr. art. 35.º/2 do Decreto. Ex: Um contrato de trabalho celebrado a 01.01.2020 que cessa, sob o regime do art. 366.º, a 01.05.2023, seguirá o seguinte esquema. Lei antiga será aplicável desde 01.01.2020 até 31.03.2023 (compensação antiga); Lei nova será aplicável desde 01.04.2023 até 01.05.2023 (nova compensação) – o que corresponde a um mês sob o novo regime de compensação. |
Contratos de trabalho a termo resolutivo (admissibilidade, renovação e duração) e renovação dos contratos de trabalho temporário. | “O regime estabelecido no Código do Trabalho, com a redação dada pela presente lei, não se aplica aos contratos de trabalho a termo resolutivo, no que respeita à sua admissibilidade, renovação e duração, e à renovação dos contratos de trabalho temporário, uns e outros celebrados antes da entrada em vigor da referida lei”, cfr. art. 35.º/6 do Decreto. Assim, quanto a contratos de trabalho a termo anteriores a 01.04.2023: – Salvaguardam-se os fundamentos iniciais; – A renovação determinada pelas partes; – E a duração do termo. Nota: Devem, contudo, respeitar os postulados da lei antiga. |
Este excerto constitui apenas um mero exercício com as datas e normativos previstos em DRE, II Série-A, N.º 178 – de segunda-feira, 6 de março de 2023. As críticas e propostas adiantadas não dispensam, pois, a devida consulta da lei quando efetivamente em vigor.
Estaremos, como sempre, atentos a desenvolvimentos futuros.
Tiago Sequeira Mousinho @ DCM | Littler