Com relativa frequência os tribunais apreciam situações em que o trabalhador alega casos de assédio ou de coação moral para invalidar o acordo de cessação ou, inclusivamente, a denúncia (unilateral) do contrato de trabalho. Vejamos de perto dois casos paradigmáticos.
A, coordenador de armazém na empresa B, é informalmente acusado de furto pelo empregador, o qual coloca A perante a alternativa de procedimento disciplinar e queixa por crime de furto ou a assinatura de uma carta de denúncia do seu contrato de trabalho. Perante esta situação, A denuncia o contrato e trabalho e, algum tempo depois, intenta uma ação judicial contra B pedindo a reintegração na empresa e o pagamento de vários créditos laborais. Para tanto alegou que a cessação do contrato de trabalho estava viciada por coação moral.
Considera-se que uma declaração é emitida sob coação moral quando seja determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado, com o fim de extorquir dele uma declaração. De acordo com o Tribunal, o medo pelo qual o trabalhador se determina tem de se basear numa ameaça de mal ilícito. Por outras palavras, a ameaça de exercício de direitos, como a instauração de um processo disciplinar ou a apresentação de uma queixa-crime, não deve ser considerada ilícita. Por outro lado, nestes casos, o trabalhador dispõe de meios igualmente lícitos para responder à ameaça, nomeadamente os tribunais (Acórdão do TRP de 15.6.2015 (Eduardo Petersen Silva)).
Outra situação:
X, empregador, informa o trabalhador Y, responsável de recursos humanos, que o seu posto de trabalho será extinto no contexto de um processo de reestruturação da empresa. X propõe a ocupação de Y em três postos de trabalho alternativos (cargos de responsabilidade), nenhum deles aceite por Y. Entretanto, a reestruturação da empresa conduz à redistribuição espacial dos postos de trabalho e X muda Y de gabinete, do 1.º andar para o R/C, próximo da recepção e da porta da casa de banho. No âmbito das negociações e após serem apresentadas várias propostas e contrapropostas, X e Y promovem, por acordo, a cessação do contrato de trabalho. Cerca de um ano depois, Y pede ao tribunal a anulação do negócio, referindo que a mudança de gabinete e as alternativas que lhe foram oferecidas constituíam assédio para constrangê-lo a terminar o contrato e que tinha sido induzido em erro porque o seu posto de trabalho não foi extinto.
Atendendo ao contexto da reestruturação em curso e à extinção do posto de trabalho (provados), bem como ao processo de negociações intenso que se desenrolou entre as partes, o Tribunal afastou a existência de assédio por parte do empregador. Foi particularmente valorizada a existência de várias propostas para a cessação do contrato e de um acordo extenso e pormenorizado, por se entender que esta circunstância revela a existência de um processo negocial verdadeiramente esclarecido no âmbito do qual as partes ponderaram os respetivos interesses e chegaram a uma decisão livre e isenta de erro (Acórdão do TRP de 1.6.2015 (João Nunes)).
Constitui assédio o comportamento indesejado praticado no acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de criar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. Embora não requeira a intenção de afetar o trabalhador (basta que seja apta ao efeito), a conduta deve estar associada a um objetivo ilícito ou eticamente reprovável. Muitas vezes, os casos levados a tribunal resultam de decisões irrefletidas ou temerariamente pouco esclarecidas do trabalhador.
Nota 1: publicado no Jornal OJE de 23.7.2015.
Nota 2: em co-autoria com Inês Beato.