Tomando por referência o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/02/2023, discute-se a validade da cláusula (quarta) ínsita num contrato de trabalho, que estipula que “O local da prestação de trabalho é o das áreas abrangidas pelas concessões, atuais e futuras, da Empresa B. Lda”. No caso vertente, a categoria profissional do trabalhador é de motorista. Coloca-se a questão de saber se a mencionada cláusula deve ser considerada nula por indeterminabilidade do objeto, tendo por base o disposto no art. 280º do CC.
No fundo, o problema coloca-se, tal como refere o autor, levada ao limite, a cláusula quarta, do contrato de trabalho em análise, ao permitir e ordenar que o autor preste a sua atividade em todas as áreas abrangidas pelas suas concessões atuais e futuras, na prática, acaba por determinar ao autor que preste a sua atividade em qualquer parte do país e até do mundo, pelo que tal cláusula é imprevisível, vaga e abrangente.
Cabe referir que o local de trabalho, entendido como o lugar onde o trabalhador deve cumprir a obrigação de prestar a sua atividade, configura um aspeto essencial do contrato de trabalho, devendo o trabalhador, em princípio, nos termos do art. 193º do C.T, exercer a sua atividade no local contratualmente definido.
Conforme se escreveu no acórdão da Relação de Coimbra de 27.11.2020, devendo aplicar-se ao caso vertente mutatis mutandis, um dos requisitos da prestação “… consiste em que o seu objeto deve ficar inicialmente determinado ou, quando menos, deve ser determinável em momento posterior, através de um critério fixado pelas partes ou pela lei” (art. 280º/1 e art. 400º, ambos do CC).
Estes conceitos de “objeto indeterminado” e de “objeto indeterminável” devem aferir-se tendo por referência o momento da celebração do negócio, pelo que a lei não exige que o objeto esteja já determinado, bastando que a essa data este possa ser determinável no futuro, em função dos contornos especiais gizados pelas partes, pelo que nessa altura já deverá existir um critério objetivo, legal ou negocial, que permita estabelecê-la. No caso vertente, as partes estipularam um critério para determinação e concretização do local de trabalho contratualmente acordado, tendo esse critério sido o da “área geográfica da filial de Coimbra”.
Nesta senda, é importante referir que não deve confundir-se a extensão geográfica do local de trabalho com a sua indeterminabilidade. Concretizando, é claro que o local de trabalho tem diferente amplitude consoante a atividade profissional desenvolvida pelo trabalhador (a amplitude não será a mesma considerando, a título de exemplo, as funções de empregado de balcão, caso em que o local de trabalho será o estabelecimento concreto, e de um motorista de transportes coletivos, caso em que o local a considerar será mais alargado, abrangendo as áreas percorridas na prestação de trabalho). Trata-se, em suma, de definir o âmbito especial em que normalmente é prestada determinada atividade. Assim, casos existem, como o presente, em que a atividade laboral não se compadece com a fixação de um único local de trabalho ou mesmo preponderante. Nestes casos, o local de trabalho não é fixo, por natureza.
Quanto à decisão do Tribunal, a referida cláusula, na parte em que fixa o local de trabalho do recorrente nas áreas abrangidas pelas atuais concessões da recorrida, não padece de indeterminabilidade e, por isso, não é nula. No entanto, considera-se nula, na parte em que se refere às concessões futuras, por indeterminabilidade, nos termos do art. 280º/1 do CC, considerando-se a mesma excluída apenas nessa parte.
Raquel Guerreiro @ DCM | Littler