Já anteriormente falámos aqui do relatório técnico que originou a Agenda Anticorrupção, e do seu pacote com mais de 30 medidas que visa prevenir e combater a corrupção em três eixos fundamentais.
Comprometemo-nos a voltar para lhe dar a conhecer mais sobre o tema.
Ora, no que respeita ao setor privado, a questão principal que se coloca é: que (novos) deveres se criam para as empresas, para além daqueles já existentes no Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro?
É sabido que com este, e para além de outras entidades abrangidas pelo diploma, as empresas do setor privado que empreguem mais de 50 trabalhadores têm o dever de adotar e implementar um programa de cumprimento normativo que inclua um Plano de Prevenção de Riscos (PPR), um código de conduta, um programa de formação e um canal de denúncias. Todos estes mecanismos se destinam a prevenir, detetar e sancionar atos de corrupção e infrações conexas.
Para garantir a efetiva aplicação do programa, as entidades abrangidas devem designar um responsável pelo cumprimento normativo, comummente designado por “compliance officer”.
Mais profundamente, no âmbito da execução do PPR, as entidades abrangidas e obrigadas têm de elaborar, durante o mês de outubro, um relatório de avaliação intercalar das situações identificadas e catalogadas como de “risco elevado ou máximo” e, em abril do ano subsequente, um relatório de avaliação anual, quantificando o grau de implementação das medidas preventivas e corretivas identificadas, bem como a previsão da sua efetiva e plena implementação.
Com a Agenda Anticorrupção, é facto que o Governo demonstra o seu compromisso com a institucionalização do compliance, o que necessariamente significa a internalização de uma cultura de compromisso e integridade, através de mecanismos e componentes de prevenção e gestão de riscos. De todo o modo, esta Agenda parece ambicionar, acima de tudo, um aprofundamento do princípio do Governo aberto.
O facto é que, para além de traçar objetivos demasiado abrangentes e pouco precisos, as “joias da coroa” desta Agenda são somente a criação do mecanismo da perda alargada de bens a favor do Estado – uma medida, diga-se, preocupante e com repercussões incontornáveis para o suspeito/arguido, no contexto de um Estado de Direito democrático que preza os direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados -, a equiparação do regime sancionatório das coimas do RGPC (Regime Geral da Prevenção da Corrupção) àquele previsto na legislação de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, e a promoção do reforço da atividade e meios do MENAC (entidade que, por outro lado, também já afirmou a sua eficácia plena com a Recomendação n.º 7/2024, de que falamos anteriormente).
Simultaneamente, a Agenda afirma a vontade do Governo em efetuar uma avaliação da eficácia da Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, em matéria de proteção de denunciantes. Esta Lei veio introduzir, no ordenamento português, uma série de medidas de proibição de retaliação contra trabalhadores que apresentem denúncias nas condições definidas nesse diploma. Com a Agenda, o Governo demonstra a sua preocupação com o cabal e efetivo cumprimento deste mecanismo, equacionando uma possível alteração do regime caso se detete uma deficiente proteção dos trabalhadores denunciantes, nomeadamente em processos retaliatórios ou infundados.
O restante teor da Agenda coloca várias dúvidas às empresas. As suas ambições para o setor privado são algo inteligíveis. Tais dúvidas devem ser esclarecidas antes de se avançar para quaisquer alterações nesta matéria, que já acaba por ser um “mil-folhas” jurídico só por si.
É de extrema importância que as empresas (e, acima de tudo, os responsáveis pelo cumprimento normativo) se façam ouvir através do processo de consulta pública, que está aberto durante 30 dias úteis através do formulário disponível na plataforma de Consultas Públicas – Consulta Lex.
Até lá, aguardamos expectantes por respostas e possíveis soluções.
David Balseiro, Estagiário de Verão @ DCM | Littler