O Halloween já terminou, mas existem tópicos juslaboralistas que ainda parecem assombrar a atualidade. Segue-se, seguramente, um desses casos.
Foi recentemente avançado pelo Jornal Público, uma notícia que incidiu sobre um trabalhador que exercia as funções de empregado de mesa e que se recusou a obedecer à ordem do seu empregador que o mandou lavar a loiça; ainda que não tenhamos a garantia da veracidade dos factos descritos, consideramos que a notícia é relevante do ponto de vista da análise do exercício de funções, inerentes à categoria profissional de cada trabalhador.
Aqui chegados, fica a pergunta: Pode o empregador exigir a determinado trabalhador o exercício de funções diferentes daquelas para as quais fora contratado?
Ora, como bem sabemos a categoria profissional afere-se relativamente às funções efetivamente exercidas, ou seja, quais as funções próprias dessa categoria, sendo o elemento decisivo o núcleo funcional que essa carateriza ou determina. Neste sentido, esta qualificação acaba por delimitar positivamente (funções desempenhadas) e negativamente (funções excluídas) a própria atuação do trabalhador.
Desde logo, será importante mencionar que segundo o art. 106.º, n.º 2, al. c) o empregador tem o dever de prestar ao trabalhador a informação de qual é a sua categoria profissional, bem como a descrição sumária das funções correspondentes.
Ademais, o artigo 118.º alarga o escopo das funções desempenhadas pelo trabalhador. Assim, ainda que o trabalhador exerça funções correspondentes à atividade para o qual foi contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida atividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional, a atividade contratada deverá sempre compreender as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional. Mas o que quer isto dizer? Olhemos para o legalmente estipulado no Código do Trabalho e para a concretização feita pela nossa jurisprudência. O número 3 do artigo supramencionado, dispõe que se consideram afins ou funcionalmente ligadas, as funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional.
Ora, tal como refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 26 de abril de 2010:
O legislador consagrou neste normativo um claro instrumento de flexibilidade funcional (…) considera agora que o núcleo essencial de funções a que o trabalhador se encontra adstrito, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas. Como vem sendo entendido, são afins as funções que apresentem semelhanças, proximidade, acessoriedade ou complementaridade entre as atividades em causa; serão funcionalmente ligadas, as funções que se inserem na sequência do processo organizativo – produtivo da empresa.
E ainda que no caso alvo de notícia não tenhamos os dados concretos, atentemos a esta situação que, aparentemente semelhante, nos pode ajudar.
Neste acórdão ainda que de forma contrária, a Autora foi contratada com a categoria profissional de empregada de balcão, mas considerou que lhe deveria ser atribuída a categoria de ajudante de cozinha, uma vez que as funções, à data, consistiam em: realizar limpeza da copa, lavar louça e servir ao balcão, confecionando pratos ligeiros nas folgas da respetiva cozinheira.
E, o douto Tribunal considerou que o recurso não deveria proceder, servindo-se do descritivo funcional da categoria funcional de empregada de balcão: “É o trabalhador que atende e serve os clientes em restaurantes e similares, executando o serviço de cafetaria próprio da secção de balcão. (…) executa ou colabora nos trabalhos de limpeza e arrumação das instalações, bem como na conservação e higiene dos utensílios de serviço; efetua ou colabora na realização dos inventários periódicos da secção. Ora, se é verdade, que se apurou que a autora servia ao balcão, não será difícil de entender que no âmbito desse exercício, a mesma, na realidade, seria chamada a desempenhar grande parte das tarefas que acima se descreveram, e que, no fundo, mais não são do que a especificação do que é o serviço de balcão, num estabelecimento como era aquele onde a autora trabalhava. (…) Quanto às funções de limpeza e de lavagem de louça, que autora levava a cabo, nenhum dado existe nos autos que nos permita afirmar que eram as predominantes, sendo certo que se podem perfeitamente inserir nos trabalhos de “limpeza”, “conservação e higiene dos utensílios”, previstos no referido descritivo funcional que acima se deixou enunciado. (…)”
Assim, podemos extrair duas importantes conclusões:
1. Se por acaso as funções do trabalhador incluíssem, como no caso acima descrito, uma expressão semelhante à “executa ou colabora nos trabalhos de limpeza e arrumação das instalações, bem como na conservação e higiene dos utensílios de serviço”, ter-se-ão por conexas as funções de limpeza da louça e utensílios;
2. Ainda assim, caso as funções não incluíssem o descrito acima, através de ressalva feita ou não no contrato de trabalho, o trabalhador não teria legitimidade para a recusa de tais funções pelo escopo do artigo 118.º, a nosso ver: (i) as funções são consideradas afins ou funcionalmente ligadas; (ii) o trabalhador detinha qualificação profissional; (iii) não implicavam a desvalorização profissional; (iv) o trabalhador continuou a desempenhar as funções principais, sendo que as mesmas não foram preteridas em função das conexas.
Assim, e agora, manter-nos-emos atentos aos desenvolvimentos da presente situação.
Maria Beatriz Silva @ DCM | Littler