A tecnologia está em todo o lado o mundo do trabalho não é exceção à regra. Se é evidente que o recurso a meios tecnológicos tem facilitado o dia-a-dia das empresas e dos trabalhadores, também é sabido que traz (ou pode trazer) consigo problemas relacionados com a limitação do tempo de trabalho. É neste contexto que surge o direito à desconexão.
Não obstante a temática da desconexão já estar em voga, não se pode deixar de notar que assume maior relevância quando o Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro, regulamentando a renovação do Estado de Emergência, reforça a obrigatoriedade de adoção do regime de teletrabalho (art. 5.º), sempre que tal seja compatível com a atividade desempenhada e o trabalhador disponha de condições para a exercer, sem que seja necessário acordo entre as partes, e sem se prever as exceções anteriormente consagradas.
Primeiramente, há referir que em Portugal não existe qualquer menção expressa no Código do Trabalho ou em legislação laboral avulsa ao direito à desconexão. Tem sido, no entanto, entendido pela doutrina, que é assegurada aos trabalhadores a faculdade de se manterem “desligados” do meio de trabalho fora do período normal de trabalho, não atendendo chamadas telefónicas, não respondendo a mensagens de texto (sms), e-mails profissionais ou a qualquer outro estímulo digital (e analógico) relacionado com trabalho.
O termo “direito à desconexão” tem a sua origem no art. 55.º da Lei El Khomri ou “Loi Travail e surge integrado numa profunda reforma do Código do Trabalho francês em matérias ligadas à organização do tempo de trabalho e, em especial, à sua adequação à era digital sob a perspetiva um melhor balanceamento de aspetos como: i) vida profissional e vida privada e familiar; ii) razões de saúde pública relacionadas com a mitigação dos riscos psicossociais potencialmente causadores de stress excessivo, de depressão e de esgotamento (burnout). Para além do mais, a desconexão e consequente aumento do tempo dos tempos de não trabalho pode contribuir significativamente para o aumento da produtividade e, maxime, estimular a competitividade e a atividade empresarial, o que não foi descurado pelo legislador francês.
Note-se, no entanto, que, apesar de no ordenamento jurídico francês existir uma referência expressa ao direito à desconexão, também não existe qualquer definição legal do mesmo, existindo apenas uma remissão do modo de concretização desse direito para a contratação coletiva e para os regulamentos empresariais.
Feito este enquadramento, podemos questionar: existe ou poderá existir um direito à desconexão em Portugal?
Embora não esteja expressamente previsto na lei, existem vários preceitos na nossa legislação que nos levam a concluir pela existência deste direito. Vejamos: o artigo 59.º n.º 1 alíneas b) e d) da CRP visa uma conciliação entre a vida pessoal e profissional; o artigo 203.º n.º 1 CT prevê os limites impostos ao tempo de trabalho (máximo de 8 horas diárias e 40 horas semanais) no sentido de que fora deles o trabalhador não está, nem tem de estar à disponibilidade do empregador; os artigos 199.º, 214.º, 213.º n.º 1, 232.º n.º1 do CT dizem respeito ao período de descanso a que o trabalhador tem direito, impondo-lhe períodos mínimos de descanso.
Nestes termos, parece-nos que muito embora o legislador português não tenha consagrado expressamente um direito à desconexão, fê-lo implicitamente através das várias normas supramencionadas.
Por outro lado, podemos questionar: a existência de um direito à desconexão impede o empregador de obstar à indisponibilidade do trabalhador? A esta questão respondemos negativamente. O empregador tem à sua disponibilidade mecanismos excecionais, como o trabalho suplementar, isenção de horário ou banco de horas, dos quais pode lançar mão de modo a garantir que o trabalhador se encontra disponível mesmo fora do seu período normal de trabalho.
Aqui chegados, mesmo entendendo que está implicitamente consagrado o direito à desconexão, não fará sentido uma intervenção legislativa no sentido de o consagrar expressamente, tal como ocorreu em França? Nos tempos que correm e com o auge do teletrabalho aumentam os problemas relacionados com os limites ao tempo de trabalho e da separação entre as esfera laboral e a esfera privada dos trabalhadores (cfr. Trabajadores en lucha para que su empresa no les contacte fuera del horario laboral), pelo que ressurgem, em peso, as dúvidas sobre a necessidade de consagração expressa do direito à desconexão em Portugal.
Ora, se é verdade que em tempos já existiram iniciativas legislativas em Portugal neste sentido, estas nunca lograram, o que nos leva a questionar se, ao invés da necessidade de uma consagração expressa de um direito à desconexão por parte do trabalhador, não haverá sempre um dever de não conexão a cargo do empregador, e se, deste modo, não assistirá sempre ao trabalhador uma faculdade: não responder à solicitação do empregador.
Inês Cruz Delgado | DCM Lawyers