Recentemente, o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se num processo onde estava em discussão o regime dos horários flexíveis previsto no art. 56.º e art. 57.º do Código do Trabalho. Em termos factuais, a trabalhadora solicitou um horário flexível para prestar trabalho de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h, gozando o dia de descanso semanal obrigatório e complementar de forma fixa, ao sábado e domingo. Por sua vez, o empregador defendeu a sua intenção de recusa no sentido de que tinha uma necessidade imperiosa que impedia de aceitar o pedido. Esta necessidade estava relacionada com o facto de a aceitação promover o encerramento do estabelecimento comercial durante o período de almoço em dois domingos por mês, por falta de trabalhadores para fazer o horário completo.
De acordo com a decisão proferida, as necessidades imperiosas ou impreteríveis que podem ser invocadas em contexto de recusa são aquelas que não podem deixar de ser colmatadas, sob pena de o prejuízo causado ao empregador ultrapassar claramente aquele que é imposto ao trabalhador. Neste sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa que o facto de o empregador ter de encerrar o seu estabelecimento em dois domingos por mês à hora do almoço, sem que se conheça qual o montante da quebra de receitas que tal pode provocar, não impõe, bem pelo contrário, a prevalência da proteção do interesse da empregadora sobre o interesse da trabalhadora em conciliar a sua vida profissional e pessoal nesta fase em que tem de cuidar de um filho de tenra idade. É aqui que podem ser levantadas alguns problemas de difícil análise face à decisão.
Focando-nos na apreciação da decisão com base na letra da lei e não quanto à necessidade concreta demonstrada em juízo, constatamos que o art. 56.º do Código do Trabalho é completamente omisso quanto à identificação de um ónus do trabalhador demonstrar a existência de uma necessidade. Na realidade, o legislador limita-se conceder um direito no caso de se verificarem pressupostos objetivos: (i) filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica; (ii) que viva com o trabalhador ou trabalhadora viva em comunhão de mesa e habitação; e (iii) elaboração de requerimento com o pedido. Por outras palavras, o legislador parece afastar a responsabilidade do trabalhador na demonstração de uma necessidade imperiosa, limitando a indicar os pressupostos objetivos e formais. Pelo contrário, ao empregador é exigido que fundamente a recusa em exigências imperiosas do funcionamento da empresa ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável. Com a decisão agora comentada, verificamos que os nossos tribunais entendem que o mero encerramento de um estabelecimento comercial não é motivo suficiente para sustentar a recusa de um empregador a um pedido de horário flexível. Uma má interpretação deste acórdão poderá levar a decisões absurdas quando o trabalhador tenha invocado o direito sem necessidade identificada, mas o empregador tenha efetivos constrangimentos.
Uma sociedade comercial tem como único propósito o cumprimento do seu objeto social. O mero encerramento de um estabelecimento comercial constitui a negação deste objeto. Não obstante, para o Tribunal da Relação de Lisboa, “relevante é, sim, saber se perdeu faturação”. Portanto, chegamos ao ponto onde podemos concluir que dificilmente alguma empresa pode demonstrar os pressupostos de recusa quando o encerramento temporário não é suficiente. Resta aqui questionar se não estaremos, com este acórdão, a abrir uma nova frente de discussão. Com efeito, já se percebeu que dificilmente uma empresa conseguirá demonstrar que os factos identificados na intenção de recusa serão acompanhados judicialmente. Assim, podemos começar a ver as empresas a procurarem dirimir conflitos entre equipas ou estabelecimentos comerciais pelo facto dos trabalhadores que não querem ou não podem ter filhos acabarem por ficar destinados a prestar a sua atividade laboral nos horários que ninguém com filhos quer. Portanto, a futuro podemos ter de convergir no problema da colisão de interesses entre o (i) empregador, o (ii) trabalhador solicitante do pedido de horário flexível e o (iii) trabalhador que não tem filhos, ora porque legitimamente não quer, ora porque infelizmente não pode (por questões de saúde ou familiares ou, até, financeiras).
Cá estaremos para acompanhar esta dinâmica jurisprudencial nos próximos meses.
Equipa DCM | Littler