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O fora de jogo do processo disciplinar

By 31 Março, 2024No Comments

Não é novidade que os procedimentos disciplinares ganham várias vezes destaque no mundo do desporto, colocando os comportamentos dos praticantes desportivos em xeque, quer a nível laboral como extra-laboral, por exemplo, a nível de regras de jogo, quando é atribuído um determinado cartão amarelo ou vermelho ao jogador.

Centrando-nos na análise do regime dos procedimentos disciplinares, a nível laboral, dos praticantes desportivos, pode-nos parecer que o mesmo não terá grande relevância face ao regime geral estipulado nos artigos 328.º e seguintes do Código do Trabalho (“CT”). Contudo, existem alguns pontos divergentes a que caberá aludir.

Deste modo, a Lei n.º 54/2017 de 14 de julho consagra, no seu artigo 18.º, o poder disciplinar aplicável aos contratos de trabalho dos praticantes desportivos, bem como o respetivo procedimento. Assim, os jogadores profissionais veem uma redução na quantidade de sanções disciplinares que lhes poderão ser aplicadas, podendo ser alvos apenas de repreensão registada, sanção pecuniária, suspensão do trabalho com perda de retribuição e despedimento com justa causa. As referidas sanções encontram-se também sujeitas a limites distintos, como por exemplo, as sanções pecuniárias aplicadas por infrações praticadas no mesmo dia não poderão exceder metade da retribuição diária, contrariando o limite geral de um terço da retribuição diária estipulada no artigo 328.º, n.º 3, al. a) do CT. Também a suspensão do trabalho se encontra sujeita a um limite máximo de 10 dias por infração, e 30 dias em cada época, contrariamente aos limites de 30 e 90 dias aplicáveis à generalidade dos trabalhadores.

Já no que diz respeito ao procedimento disciplinar, o artigo 18.º da Lei 54/2017 exige, no seu n.º 4, que a aplicação das sanções seja precedida de procedimento disciplinar que atribua ao arguido as adequadas garantias de defesa. Ademais estabelece, no seu n.º 6, um prazo de prescrição do procedimento disciplinar, quando o praticante desportivo não tenha sido notificado da decisão final, correspondendo este a 6 meses (180 dias) contados desde a data da sua instauração, metade do tempo exigido no artigo 329.º do CT.

Ora, neste seguimento, questiona-se se deverão ser aplicados os restantes prazos estabelecidos no artigo 329.º do CT, por força do artigo 3.º, n.º 1 da Lei 54/2017?

O n.º 2 do artigo 3.º da Lei 54/2017 parece dar espaço para que seja possível a regulação do exercício do poder disciplinar por convenção coletiva, o que aliás se compreende dada a especificidade das regras desportivas e épocas de cada modalidade.

Nesta senda, é-nos possível verificar, nos artigos 15.º e 16.º do contrato coletivo de trabalho dos jogadores profissionais (“CCT”) celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato de Jogadores, as regras específicas aplicáveis às sanções disciplinares e ao próprio procedimento disciplinar, devendo este último ser exercido nos 60 dias subsequentes ao conhecimento da infração pela entidade empregadora, e a sanção executada dentro dos 3 meses seguintes à decisão, respondendo-nos assim à questão acima colocada.

Porém, o referido contrato coletivo de trabalho consagra de forma expressa uma novidade já muito discutida perante o procedimento do regime geral do artigo 329.º do CT. Em face da necessária celeridade prática e da curta duração dos contratos de trabalho dos desportistas vem, o n.º 2 do artigo 16.º do CCT dos jogadores profissionais de futebol, clarificar que a aplicação de uma repreensão ou repreensão registada dispensa a instauração de um processo disciplinar, exigindo-se apenas a audiência prévia do jogador. Tal já não sucede perante a aplicabilidade de uma multa, da suspensão do trabalho com perda de retribuição ou do despedimento com justa causa, dado que o n.º 1 do mencionado artigo exige a prévia instauração de um procedimento disciplinar, sob pena de nulidade da sanção.

Justificar-se-á esta distinção?

Fica a questão.

Marta Coelho Valente @ DCM | Littler