A “pedra-de-toque” do contrato de trabalho reside na subordinação jurídica do trabalhador ao empregador. Sobre esta noção há uma vasta produção doutrinária e jurisprudência de aquém e além-fronteiras. No essencial, o trabalhador encontra-se inserido na organização do empregador, ao qual compete dirigir, corrigir, adaptar, fiscalizar e disciplinar a atividade prestada.
A tecnologia tem aumentado fortemente a capacidade de controlo da atividade do trabalhador e, consequentemente, restringido a esfera de privacidade ou de liberdade do trabalhador. Compreende-se que o empregador possa fiscalizar o cumprimento da prestação de trabalho e que possa recorrer aos instrumentos disponíveis, desde que não coloque em crise a reserva da vida privada, os dados pessoais e a imagem do trabalhador.
Hoje em dia, estamos contactáveis em (quase) todos os lugares e (quase) a qualquer hora. Verifica-se, por um lado, uma diluição progressiva da diferença entre local de trabalho e residência; por outro lado, durante o horário de trabalho os meios de comunicação (e-mail, telefone, telemóvel ou smartphone) impõe uma intensidade crescente da prestação laboral.
Sem prejuízo de uma abordagem posterior de outras questões associadas à tecnologia no local de trabalho, cumpre referir a utilização do GPS (sistema de posicionamento geográfico) nas organizações laborais. Com este equipamento, podemos saber a localização de uma pessoa, através de um recetor de sinais de GPS, o qual calcula a latitude, a longitude e a altitude do lugar onde se encontra.
Ora, o Código do Trabalho determina que o empregador não pode utilizar meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o uso de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Todavia, essa utilização será admissível, desde que tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem (por exemplo, sistemas de videovigilância de pessoas e bens).
Em 2007, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que esta proibição dizia respeito às formas de captação à distância de imagem, som ou imagem e som que permitam identificar pessoas e detetar o que fazem, quando e durante quanto tempo, de forma tendencialmente ininterrupta (por exemplo, câmaras de vídeo, microfones, escutas, entre outras). O carácter intrusivo destes meios seria suscetível de afetar o direito à reserva da vida privada e o direito à imagem do trabalhador.
Com efeito, o GPS permitia saber a localização e os percursos realizados e, indiretamente, conhecer a localização geográfica e os movimentos do trabalhador. Todavia, o tribunal entendeu que este equipamento não tinha a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, porque não permitia controlar a atividade do trabalhador durante as visitas aos clientes.
Em novembro de 2013, o Supremo Tribunal de Justiça veio confirmar este entendimento, porquanto decidiu que o GPS instalado na viatura permite apenas conhecer a sua localização geográfica em tempo real, mas não fiscalizar a atividade do trabalhador. Este tribunal admitiu a utilização dos dados provenientes dos registos do GPS no procedimento disciplinar instaurado ao trabalhador, visto que o seu estatuto jurídico (de cidadão e de trabalhador) não lhe confere um espaço de proteção e de impunidade.
Deve referir-se que, em ambos os casos, a viatura com GPS destinava-se a uso profissional, isto é, não estava em causa a utilização pessoal ou privada da viatura de serviço.
Ainda que se considerasse um meio de vigilância à distância no local de trabalho, sempre se dirá que o GPS pode ter uma finalidade de proteção e segurança de pessoas e bens, visto que o trabalhador pode sinalizar uma situação de perigo ou de emergência, dando a indicação do local em tempo real e permitindo uma atuação mais célere dos meios de socorro apropriados (por exemplo, furto do veículo, catástrofe natural, tumulto social ou sequestro).
Uma última nota: a utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho está sujeita a autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados e deve ser justificada de acordo com critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade.
Nota: artigo publicado no Jornal Oje de 08.04.14.
Os casos jurisprudenciais referidos no texto poden ser consultados aqui (2007) e aqui (2013).