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O (Un)fair-play desportivo: uma discriminação?

By 15 Fevereiro, 2023No Comments

No passado dia 17 de janeiro de 2023, foi publicada pelo The Players Tribune a carta sobre a história da gravidez da jogadora de futebol Sara Björk Gunnarsdóttir e a repercussão dessa situação na relação laboral e, por sua vez, no recebimento da sua retribuição.

A jogadora de futebol informou em março de 2021, o Clube onde jogava, que estava grávida. No mês seguinte, o Clube autorizou a Jogadora a regressar à Islândia, para junto da família. No primeiro mês na Islândia, a Jogadora não recebeu a retribuição mensal normal por parte do Clube onde jogava, tendo considerado que deveria ser um erro contabilístico. No mês seguinte, a Jogadora voltou a não receber a retribuição e aí contactou o agente desportivo para que verificasse a situação. Nesse sentido, iniciaram com correspondência dirigida ao Clube, mas, após sucessivas missivas e sem sucesso, acabaram por recorrer ao Tribunal da FIFA.

Nessa sequência, no passado dia 19 de maio de 2022, surgiu a Decisão do FIFA Football Tribunal relativamente à situação da Jogadora, baseado nas mais recentes normas de regulamentação da FIFA (Regulations on the Status and Transfer of Players Artigo 6.º, n.º 1, artigo 18.º n.º 7 e 18quarter) respeitantes a situações de maternidade das jogadoras. Como conclusão, o Clube onde jogava foi condenado a pagar-lhe a quantia de 82 094,82 (oitenta e dois mil e noventa e quatro euros e oitenta e dois cêntimos) a título de retribuição acrescido de juros até integral pagamento, por ter considerado que o Clube não cumpriu com os deveres de cuidado subjacentes ao contrato, durante o período de gravidez da jogadora.

Em Portugal, o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo (Lei n.º 54/2017, de 14 de julho) dispõe nos seus artigos 11.º e 13.º os deveres da entidade empregadora desportiva e do praticante desportivo, respetivamente. De acordo com estas normas, o Clube teria o dever de proporcionar aos praticantes desportivos as condições necessárias à participação desportiva, incluindo treinos e outras atividades preparatórias, bem como exames e tratamentos clínicos, tendo o desportista profissional o dever de prestar essa atividade e participar nos treinos com respetiva preparação.

Porém, surge, do lado do praticante desportivo, um dever que poderá ser posto aqui em causa, o de preservar as condições físicas que lhe permitam participar na competição desportiva em causa – teremos aqui uma restrição à liberdade de constituir família, relativo ao desporto feminino? Parece que esta norma diz apenas respeito a um dever de cuidado do(a) próprio(a) jogador(a) perante a sua forma física – mantendo-se saudável para que lhe seja possível manter o nível e exigência.

Não tendo a Lei n.º 54/2017 nenhuma disposição específica relativa à gravidez e maternidade, será aplicável, de acordo com o artigo 3.º, o regime geral constante do Código de Trabalho, desde que este último seja compatível com a especificidade do regime do contrato de trabalho do praticante desportivo.

Nesta senda, resultam as seguintes questões: (i) será o regime geral compatível com esta modalidade específica (e fisicamente exigente) de prestação de trabalho? (ii) Deixará a lei espaço suficiente para aplicação total do regime geral do Código do Trabalho? (iii) Estaremos perante uma lei discriminatória? ou (iv) Terá sido, esta lei, pensada apenas para o praticante desportivo masculino?

Continuaremos atentos.

Ana Amaro, Marta Coelho Valente @ DCM | Littler