Poderá um médico opor-se à realização de um procedimento de aborto ou de eutanásia por ser contrário aos seus valores? Poderá um trabalhador recusar-se a trabalhar aos sábados para atender a uma cerimónia religiosa?
O direito à objeção de consciência traduz-se na “recusa em cumprir uma imposição legal (conduta juridicamente exigível), com fundamento no facto das consequências do seu cumprimento colidir com as convicções religiosas, morais ou ideológicas do indivíduo”. Esse direito fundamental encontra-se previstono art. 41º, n.º 1 e 6 da Constituição e, de acordo com o art. 18º, n.º 1, compete, em princípio, ao empregador garanti-lo.
Neste contexto, o exercício do direito à objeção de consciência implica um conflito com outros direitos do empregador, nomeadamente o direito à iniciativa económica e a liberdade de empresa, e dos demais trabalhadores, como o direito à igualdade – sendo o princípio da proporcionalidade o principal critério para a resolução deste conflito.
Sendo assim, o art. 41º, n.º 6 da Constituição, ao preverque “É garantido o direito à objeção de consciência, nos termos da lei”, salienta a necessidade de uma posterior consagração legislativa que pondere os direitos em causa na situação em concreto, tal como decorre na Lei nº. 16/2007, de 17 de abril (Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez). Aos demais casos não previstos por legislação avulsa, compete aos tribunais interpretar e concretizar o direito de objeção no caso concreto, tarefa que nem sempre será possível.
Destarte, coloca-se a questão de se, ao exercer o seu direito à objeção de consciência, um trabalhador está a incumprir o seu contrato de trabalho. Desde já, o contrato de trabalho é um negócio jurídico, fruto da autonomia privada. Todavia, o trabalhador não se encontra na mesma posição negocial que o empregador, podendo muitas vezes aceitar determinadas disposições que em paridade negocial não aceitaria, o que torna importante o desenvolvimento legislativo para proteger o trabalhador nestas circunstâncias.
Desenvolvido ou não em legislação à parte, o direito à objeção de consciência não deve ser invocado sem mais pelo trabalhador, sob pena de banalização do próprio direito. Neste contexto, o trabalhador apresenta o dever de obediência às ordens do empregador (art. 97º e art. 128º, n.os 1 e 2 CT), sendo que o incumprimento deste dever poderá ser fundamento para despedimento com justa causa conforme o art. 351º, n.º 1 e 2, alínea a) do CT. Exceção para quando a ordem atribuída pelo empregador seja ilegítima.
Assim, é discutido, em primeiro lugar, se há abuso de direito do trabalhador ao exercer o seu direito à objeção quanto a um ato exigido pelo seu empregador quando no momento da celebração do contrato já tinha conhecimento do conflito com os seus valores, e mesmo assim decidiu celebrá-lo. Em segundo lugar, em relação a conflitos posteriores à celebração do contrato, ainda se discute se o direito pode ser exercido em relação a atos já esperados do seu trabalho, ou se apenas o pode ser em relação a atos estranhos à natureza do seu trabalho.
Em Portugal, no Acórdão n.º 545/2014, o Tribunal Constitucional apreciou o direito de ser o trabalhador dispensado de turnos de serviço urgente que coincidissem com os dias de sábado, tendo em vista que, por motivos religiosos, este dia era por si guardado como dia de descanso. Um comentário ao acórdão pode ser lido aqui.
Em suma, se o direito à objeção de consciência implica ou não um incumprimento do contrato de trabalho dependerá, no caso concreto, das normas apresentadas em legislação avulsa, da boa-fé do trabalhador e, por fim, de um juízo de proporcionalidade.
Ana Catharina Souza e Isabela Pizzolatti @ DCM |Littler