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Obrigação de usar máscara: também para os trabalhadores?

By 22 Novembro, 2020Novembro 24th, 2020No Comments

Face à crescente evolução da propagação da pandemia COVID- 19, foi decretada a situação de calamidade em Portugal. Por conseguinte, tendo em vista o controlo da situação epidemiológica , entrou em vigor, no passado dia 28 de Outubro, a Lei nº.62-A/2020, de 27 de outubro, que veio impor o  uso obrigatório de máscara em espaços públicos durante um período de 70 dias. O art. 3.º do diploma define o âmbito subjetivo desta regra, determinando que é obrigatório o uso de máscara por pessoas com idade a partir dos 10 anos, e o âmbito objetivo, determinando que tal obrigatoriedade se verifica em situações de acesso, circulação ou permanência nos espaços e vias públicas sempre que o distanciamento físico recomendado pelas autoridades de saúde se mostre impraticável.

Prevê-se, ainda, que a fiscalização do cumprimento da obrigatoriedade de utilização de máscaras caberá às forças de segurança e às policias municipais (art. 5.º). e que o incumprimento desta obrigação constitui contraordenação conforme previsto no artigo 3.º do DL n.º 28-B/2020, de 26 de junho, podendo a coima aplicada variar entre os € 100 e os € 500 (art. 6.º).

Sem prejuízo desta regra, a obrigatoriedade poderá ser afastada mediante apresentação dos seguintes documentos (art. 3.º n.º 2): i) atestado médico de incapacidade ou de declaração médica, no caso de se tratar de pessoas com deficiência cognitiva, do desenvolvimento e perturbações psíquicas; ii) declaração médica que ateste que a condição clínica da pessoa não se coaduna com o uso de máscaras; e, ainda, iii) quando o uso de máscara seja incompatível com a natureza das atividades que as pessoas se encontrem a realiza; iv) em relação a pessoas que integrem o mesmo agregado familiar, quando não se encontrem na proximidade de terceiros.

A circunstância de se permitir a não utilização de máscara quando tal seja incompatível com a “natureza das atividades que as pessoas se encontrem a realizar” parece abrir caminho para a não utilização de máscara aquando da realização de atividade física ao ar livre, por exemplo. E no âmbito laboral, qual(is) a(s) atividade(s) que poderá(ão) ser enquadrada(s) nesta norma excecional?

Numa primeira análise, dir-se-á que a regra excecional estabelecida no art. 3.º n.º 2 do Lei nº.62-A/2020, de 27 de outubro será residual, na medida em que serão residuais, no universo das atividades laborais, aquelas atividades que importem atividade (em particular, atividade física) que não seja compatível com a utilização de máscara. Será o caso da realização de alguns desportos, como a corrida ou a natação, entre outros.

Além disso, note-se que não é a primeira vez que o legislador recorre à referência da incompatibilidade de utilização de máscara com a atividade desempenhada.

Já o art. 13.º-B do DL n.º 10- A /2020, de 13 de março, posteriormente alterado pelo DL n.º22/2020, de 16 de maio, consagrava obrigatoriedade de utilização de máscaras para o acesso ou permanência nos espaços e estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, nos serviços e edifícios de atendimento ao público, nos transportes coletivos e ainda estabelecimentos de ensino e creches, pelos funcionários docentes e não docentes, dispensando a obrigatoriedade de uso de máscara “quando, em função da natureza das atividades, o seu uso seja impraticável” (art. 13.º-B, n.º 2, do mesmo diploma)

Qual a amplitude do conceito de “impraticabilidade”? Mais, como articular impraticabilidade o art. 3.º n.º 2 da Lei nº.62-A/2020, de 27 de outubro em conformidade com o art. 14.º do Código do Trabalho (“CT”), que consagra a liberdade de expressão no âmbito laboral, e com o art. 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa? Os limites presentes no art. 14.º do CT poderão constituir as diretrizes para interpretar a dispensa do uso de máscara em virtude da sua impraticabilidade, isto é, a dispensa do uso de máscara apenas poderá ocorrer caso tal atinja os direitos de personalidade dos trabalhadores, do empregador e das demais pessoas que o representem, bem como quando coloque em causa o normal funcionamento da empresa? Poderão os trabalhadores, ao abrigo da sua liberdade de expressão, não utilizar máscara no local de trabalho, quando tal seja imposto pela Lei n.º 62-A/2020, de 27 de outubro, por razões atinentes à violação dos seus direitos de personalidade, ou em virtude de tal utilização obrigatória impedir o normal funcionamento da empresa?

A interpretação deste conceito vago e indeterminado de “impraticabilidade” não se revela fácil e terá que ser ponderada em função das circunstâncias concretas. Em qualquer caso, parece-nos que os direitos de personalidade do trabalhador, tutelados no art. 14.º do CT, não poderão ser, salvo situações limite atendendo às referidas circunstâncias concretas, preencher o conceito de impraticabilidade.

Antes pelo contrário: regra geral, a utilização de máscara permite a salvaguarda dos direitos de personalidade do próprio trabalhador, dos demais trabalhadores e do empregador. Nas atuais circunstâncias da pandemia de COVID-19, e como forma de obstar ao contágio em cadeia dentro da empresa, a máscara permite, ainda, assegurar o normal funcionamento da empresa. Assim, existirá uma coincidência entre a utilização de máscara e o respeito pelo art. 14.º do CT, ressalvadas situações excecionais.

Entretanto, e sem prejuízo destas reflexões, esta questão foi diretamente regulada no Decreto n.9/2020 de 21 de novembro, que entra hoje em vigor e regulamenta a aplicação do Estado de Emergência, o qual prevê, no seu artigo 4.º, a expressa obrigatoriedade de utilização do uso de máscara ou viseira para acesso ou permanência no seu local de trabalho sempre que o distanciamento físico recomendado pelas autoridades de saúde se mostre impraticável. Não estão abrangidos por esta obrigatoriedade trabalhadores quando estejam a prestar o seu trabalho em gabinete, sala ou equivalente que não tenha outros ocupantes ou quando sejam utilizadas barreiras físicas impermeáveis de separação e proteção entre trabalhadores.

Luísa S. Pereira | Inês Cruz Delgado | DCM Lawyers