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Oito propostas laborais para a crise

O fim da pandemia e da crise está ao virar da esquina (maio ou junho de 2020)? Não existem dados seguros, mas a resposta será provavelmente negativa.

As medidas laborais adotadas até à presente data são suficientes para o curtíssimo prazo? Talvez, sem prejuízo de serem testadas, experimentadas e, se necessário, revistas e aperfeiçoadas com celeridade e eficiência.

Podemos (ou devemos) ir mais além, levantando o olhar até, pelo menos, ao final de 2020? Sim, definitivamente. Vejamos algumas propostas:

1. O “layoff simplificado” deve ser alargado a mais situações de crise, designadamente através da consagração do conceito de crise previsto com maior amplitude no Código do Trabalho.

Dir-se-á: o Orçamento de Estado não aguenta. A alternativa não é melhor. Uma malha apertada no “layoff” – seja o “clássico” previsto no Código do Trabalho, seja o “simplificado” agora criado e aprofundado – terá um reflexo no aumento de número de cessações dos contratos de trabalho ou, até, de insolvências.

Em ambos os casos, abre-se a porta ao subsídio de desemprego e ao subsídio social de desemprego ou, no limite, ao abismo remuneratório por não preenchimento dos respetivos critérios de acesso (v.g. prazos de garantia).

Mais: afastamos as pessoas do mercado de trabalho de forma cega e com um elevado potencial de discriminação dos mais velhos, sendo que esta “classe” pode começar nos 50 anos de idade. Para além daqueles subsídios, emergem os custos com sucessivas políticas ativas de emprego, cujo alcance é, porventura, mais limitado do que aquele que resulta da preservação dos postos de trabalho e do apoio a empresas economicamente viáveis.

2. A adaptação temporária do critério da situação regularizada perante a Segurança Social e as Finanças para acesso ao “layoff” devia ser ponderada.

Estas declarações podem ser obtidas, desde que haja acordo de pagamento da dívida em prestações associado a uma garantia, a qual devia ser, temporariamente, dispensada ou comparticipada.

3. O tecido empresarial é maioritariamente composto por nano, micro e pequenas empresas. É verdade que há quem sustente que apenas as grandes empresas criam empregos, diretos e indiretos, estáveis e de qualidade. Todavia, sem as outras arriscamos o seguinte vaticínio: enfraquecimento severo da economia e da concorrência, bem como aumento do desemprego.

Poder-se-ia ponderar, por exemplo, uma maior flexibilidade da legislação laboral para empresas com menos de 10 trabalhadores e o aperfeiçoamento e reforço do sistema de acesso ao Direito, nomeadamente para a consulta jurídica especializada.

4. A proibição de despedimentos na crise pode ter algum alcance mediático, mas tem uma efetividade muito reduzida, visto que, entre outros motivos, não se criam, nem se mantêm, postos de trabalho por decreto.

Ao invés, deviam ser estabelecidos incentivos financeiros e fiscais especiais – é verdade que existem instrumentos pré-crise – vocacionados para as empresas em época de crise que almejem – e alcancem – a salvaguarda dos atuais postos de trabalhos ou, eventualmente, contribuam para a criação líquida de postos de trabalho.

5. Não seria de criar um regime excecional de renovação dos contratos de trabalho a termo ou de trabalho temporário para evitar a corrida às respetivas caducidades? Prolongar-se-ia a precariedade? Sim, mas manter-se-ia um vinculo laboral em substituição de um subsídio de desemprego ou de quebra abrupta de rendimentos, designadamente se o trabalhador não tem, à data, o prazo de garantia necessário.

6. Por estes motivos, deviam ser, igualmente, suspensos os prazos dos períodos experimentais em curso.

Dir-se-á que é um “não problema”, porque não são considerados na contagem os dias de falta, ainda que justificadas, de licença, de dispensa ou de suspensão do contrato de trabalho. Em abstrato e no mundo ideal, talvez, porque o “layoff” com suspensão dos contratos de trabalho também paralisaria a contagem desse prazo. Contudo, se a opção for a redução do período normal de trabalho, o prazo continua a correr. Mais: na incerteza sobre a duração e os efeitos da crise, a decisão gestionária será, provavelmente, a eliminação dos custos certos logo que possível.

7. Esta crise está a impor uma utilização intensiva do teletrabalho. Todavia, está também a demonstrar as fragilidades desta solução.

Em primeiro lugar, o legislador presumiu – quiçá por inexperiência, quiçá por uma dose excessiva de confiança na capacidade das pessoas se multiplicarem por diversas tarefas em simultâneo – que o teletrabalho de um progenitor é incompatível como apoio excecional à família devido por força do encerramento das escolas. Mais: basta que um dos progenitores esteja em teletrabalho para o outro não receber esse apoio, independentemente da estrutura do respetivo agregado familiar.

Por outro lado, ainda que muitas atividades possam ser desempenhadas com recurso a tecnologias de informação (v.g. computador, internet, Skype, Zoom, Outlook) existem preocupações que não podem ser desvalorizadas, designadamente obrigações de sigilo ou confidencialidade, deveres de proteção de dados pessoais e prevenção de ciberataques.

Dir-se-á que o empregador deve prover todos os instrumentos. Todavia, será que as empresas têm, neste momento, disponibilidade financeira para investir? Será que existem meios disponíveis no mercado para essa utilização massiva? E ainda que existam e sejam disponibilizados, como poderá o empresário garantir que o seu teletrabalhador observa esses desideratos, se, em muitos casos, partilha a sua habitação com o cônjuge e tem de estar sempre de olho nos filhos que tem à sua volta ou, por exemplo, utiliza, por força das necessidades ou a título fortuito, a rede wireless de sua casa, a qual não tem o mesmo nível de proteção das redes empresariais?

Mais: a “obrigação” legal de teletrabalho criada pela crise permitirá reduzir ou eliminar a responsabilidade civil do empregador perante clientes, trabalhadores, fornecedores ou parceiros pela violação das obrigações de sigilo ou confidencialidade, dos deveres de proteção de dados pessoais e da prevenção de ciberataques? O regime do teletrabalho ou do smartworking deve, por isso, merecer a nossa atenção nos tempos mais próximos.

8. Finalmente, há alguns empregadores que têm condições para manter os postos de trabalho e as remunerações durante algum tempo, mas podem não ter trabalho para ocupar todos os trabalhadores a tempo inteiro. Não seria de recuperar um banco de horas individual para este período de crise, através do qual poderia ser eliminado ou reduzido o período normal de trabalho durante, por exemplo, três meses, sendo a compensação realizada durante os 6 a 12 meses seguintes? Algumas vantagens: (i) inexistência de sobrecarga dos Orçamentos do Estado ou da Segurança Social, (ii) manutenção dos postos de trabalho e (iii) conservação do nível de remuneração. Adicionalmente poderia ser ponderada uma redução das contribuições para a Segurança Social a cargo do empregador no caso de não haver qualquer prestação de trabalho durante os primeiros meses.

São, tão-só, algumas propostas. Têm, seguramente, falhas ou incompletudes. Ainda assim, não seriam de considerar na discussão que deve ser feita sobre a atualidade e o futuro do trabalho em Portugal?

David Carvalho Martins | DCM LAWYERS para o InfoRH