A pergunta de que partimos, tendo em conta o desenvolvimento doutrinal, legislativo e jurisprudencial nesta matéria, parece, de certa forma, absurda. No entanto, a questão surge-nos quando tomamos conhecimento da sentença do Tribunal da Relação de Guimarães, que conclui que o facto de, quando é criado um complemento pecuniário, se referir que “é um conceito salarial, não pensionável” e que “todas as importâncias lançadas nesta rubrica serão consideradas como pagas por conta de todo e qualquer aumento futuro na retribuição mensal efetiva, resultante da negociação do clausulado do ACTV”, significa que “carece assim de sentido a referência a cláusulas do CCT, ou da lei, já que na sua génese a prestação é considerada não pensionável e a ser absorvida por futuros aumentos”.
Não satisfeito com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa e, tendo em conta, que ocorreu dupla conforme na decisão em análise, o Autor interpôs recurso de revista excecional, com o fundamento em melhor aplicação do direito, nos termos do art. 672.º, n.º1, alínea a) do Código de Processo Civil.
É exatamente o Acórdão que admite a revista excecional que importa análise, ainda que o seu conteúdo seja ainda meramente introdutório, mas bastante elucidativo – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 1407/19.5T8BCL.S2, de 15.02.2023.
Nesta fase do recurso ainda introdutória, relativamente unicamente à admissibilidade do recurso de revista excecional, cabe ao tribunal para decidir sobre essa questão, perceber se se justifica um recurso para que seja melhor aplicado o direito. E nesse raciocínio, considerou o tribunal que: (i) primeiramente, a afirmação do Tribunal da Relação de Guimarães “suscita (…) várias interrogações, mormente tendo em conta a hierarquia das fontes” e, em especial, “a circunstância de que o contrato individual de trabalho só pode afastar-se da convenção coletiva quando em sentido mais favorável”; (ii) em segundo lugar, afirma o Supremo Tribunal de Justiça que a não integração do complemento no princípio da irredutibilidade da retribuição, exige a sua intervenção “para uma melhor aplicação do direito.”.
O recurso de revista excecional, tal como o seu nome indicia, é um meio processual de recurso que assenta na sua excecionalidade, sendo a necessidade de uma melhor aplicação do direito um dos fundamentos para a sua admissibilidade. Ora, no caso em apreço, tal foi considerado como verificado, na medida em que a argumentação e conclusões do Tribunal da Relação de Lisboa não se mostram conformes com princípios basilares do Direito do Trabalho, em especial, os que norteiam a qualificação de retribuição, hierarquia das fontes e princípio da irredutibilidade da retribuição.
No fundo, é esta a importância deste modelo de recurso excecional, visto que não é admissível que produza efeitos uma sentença que não aplica, da melhor forma, o direito, cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça, fazê-lo.
Inês Godinho @ DCM | Littler