A temática dos animais tem merecido crescente importância nos últimos anos. Acompanhado de um sentimento de sensibilização, os animais (em especial, os de companhia) têm sido de alvo de maior consideração e proteção social.
O Direito Laboral tem vindo a adaptar-se a esta nova realidade. O que um dia, para alguns, poderia ser impensável, hoje, é abertamente discutível: a permissão de animais de estimação no local de trabalho (a este propósito, vide o nosso artigo Animais no local de trabalho?). Existe, inclusivamente, empresas que oferecem pawternity leaves para que os seus trabalhadores possam acolher e passar tempo com os novos membros da família. É o caso de empresas como “Harper Collins”, “BrewDog”, “BitSol Solutions”, “MarsPetcare” e “Mparticle”.
O legislador português não se demonstrou indiferente a esta evolução. Ao longo dos anos, do ponto de vista jurídico, temos assistido a uma maior consagração dos direitos dos animais: num primeiro momento a Lei n.º69/2014, veio criminalizar os maus tratos a animais de companhia. Por sua vez, em 2016, o legislador procurou, novamente, proteger os interesses daqueles que, um dia mais tarde, iriam ser considerados seres vivos dotados de sensibilidade. Com a Lei n.º27/2016, instituiu-se a proibição do abate de animais como forma de controlo da população dos mesmos. Ao invés, a lei aprovou medidas para a criação de uma rede de centros de recolha oficial de animais, sendo dada prioridade à sua esterilização e procura da adoção dos mesmos. Mais tarde, deu-se a alteração do estatuto jurídico dos animais. Nos termos da Lei n.º8/2017, os animais deixaram de ser considerados coisas e, com reconhecimento expresso no Código Civil.
Parece ser inegável que, nos dias que correm, os animais de estimação deixaram apenas de ser vistos como um melhor amigo e passaram a ser considerados elementos integrantes da família.
Segundo um estudo da TGI Marktest, realizado em Julho de 2020, 5.9 milhões de portugueses tem como animal de companhia um cão ou um gato (cfr. Quantos portugueses têm cães e gatos em casa?).
É neste panorama, que no passado dia 8 de Outubro foram apresentados dois Projetos de Lei:
- Projeto de Lei n.º 558/XIV/2.ª que pretende estender o regime de falta para a assistência à família dos animais de companhia;
- Projeto de Lei n.º 559/XIV/2ª que tem em vista alargar o regime de faltas por motivo de falecimento de cônjuge, parente ou afim e garantir o direito ao luto por falecimento de animal de companhia.
Quanto ao primeiro, pretende-se que seja considerada como falta justificada, a motivada pela prestação de assistência inadiável e imprescindível aos animais de companhia. Ainda, propõe-se que o trabalhador tenha até 7 dias por ano para prestar tal assistência em caso de doença ou acidente, do respetivo animal.
Já quanto ao segundo Projeto de Lei, equaciona-se que seja considerada como falta justificada a motivada por falecimento do animal de companhia do agregado familiar, sendo concedido até um dia de ausência (justificada) ao trabalhador.
É certo que, na atual redação do artigo 1305.º-A do Código Civil, o proprietário de um animal deve assegurar o seu bem-estar, nomeadamente, a garantia de acesso a cuidados veterinários sempre que justificado. Ora, para asseverar tal dever, poderá acontecer que tais cuidados tenham de ocorrer durante o tempo de trabalho.
Também nos parece ser compreensível que, devido ao laço de afeto que existe entre o animal e o seu “progenitor”, a perda daquele proporcione igual desgosto à perda de qualquer outro membro familiar.
As questões relacionadas com os animais de companhia têm ainda maior impacto quando se trata de cidadãos com maior dificuldade de integração na sociedade. Vários são os casos em que os animais de companhia são a única forma de combater o isolamento e, por outro lado, é sabido que desempenham um papel fulcral na vida de pessoas com determinadas deficiências.
Contudo, não poderá ser desconsiderado o lado do empregador, devendo a lógica de gestão empresarial ser tida em conta. Será o aditamento ao regime de faltas, por motivo associado aos animais de companhia, uma (indevida) humanização dos animais?
Tratando-se de uma temática atual e sensível, resta-nos aguardar a decisão do nosso Legislador.
Joana Guimarães | DCM LAWYERS