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Período experimental: uma inconstitucionalidade aquém do esperado?

O período experimental é um mecanismo que gera grande controvérsia, não só quanto à sua natureza, mas também quanto à sua razoabilidade temporal que, sob uma perspetiva bilateral, do empregador e do trabalhador, se apresenta como diferenciada.

De todo o modo, como já tivemos oportunidade de referir in Denúncia no período experimental: em que termos?,  este período é entendido pela maioria da doutrina e da jurisprudência como relevante para aferição pelas partes do seu interesse na manutenção do contrato, atendendo não apenas à aptidão profissional, mas às características comportamentais suscetíveis de se refletirem na organização produtiva, dentro de uma maior flexibilidade de cessação do contrato.. Não podemos esquecer que, durante o período experimental, quer o empregador quer o trabalhador podem, sem qualquer justificação, pôr fim ao contrato.

Foi com base neste enquadramento que o Acórdão n.º 318/2021 do Tribunal Constitucional apreciou em sede de fiscalização abstrata da eventual inconstitucionalidade, de entre outras normas, o artigo 112.º do CT quanto à redação que lhe foi dada pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro com base numa restrição injustificada do art.53.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e na violação do princípio da igualdade cfr. art 13.º da CRP.

Até à entrada em vigor da Lei n.º 93/2019, todos os trabalhadores admitidos, através de contrato sem termo, para o exercício de funções indiferenciadas estavam sujeitos, a um período experimental de 90 dias. Contudo, aplicava-se períodos mais longos a certos trabalhadores, face à natureza das funções desempenhadas (cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, desempenho de funções de confiança, cargo de direção ou quadro superior). Com a entrada em vigor do referido diploma, os trabalhadores admitidos para o exercício de  funções tidas por indiferenciadas são objeto de uma distinção em matéria de duração do período experimental: se se tratarem de trabalhadores à procura de primeiro emprego ou desempregados de longa duração, deixam de estar sujeitos ao período experimental de 90 dias , mas sim um período experimental de 180 dias (o mesmo aplicável aos trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação). De ressalvar que estamos sempre a discutir este tema nos contratos sem termo.

Esta regra é, contudo, alvo de três exceções:  (i) em que, por acordo individual ou instrumento de regulamentação coletiva aplicável, a respetiva duração tenha sido reduzida, nos termos do artigo 112.º, n.º 5 do CT, (ii) aquelas em que o próprio período experimental tiver sido suprimido por decisão conjunta do trabalhador e do empregador, de acordo com o artigo 111.º, n.º 3 do CT, e, por fim, (iii) em que o trabalhador tenha estado anteriormente ao serviço do mesmo empregador, ao abrigo de um contrato a termo para a mesma atividade, de um contrato de prestação de serviço para o mesmo objeto ou de um estágio profissional para a mesma atividade, casos em que o período experimental é reduzido ou excluído, nos termos do artigo 112.º, n.º 4, do CT).

Tendo por base o exposto e com vista à apreciação da argumentação discutida em sede de fiscalização de constitucionalidade, cabe referenciar, a título preliminar, que o Tribunal Constitucional adotou na argumentação deduzida o entendimento perfilhado na maioria da jurisprudência: considera-se trabalhador à procura do primeiro emprego aquele nunca esteve vinculado por contrato de trabalho sem termo.

Pois bem, entendeu o Tribunal que não existia inconstitucionalidade quanto à adoção de um período experimental de 180 dias por não verificada a violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade, nos termos alegados, nem para trabalhadores à procura do primeiro emprego nem para desempregados de longa duração. Considerou assim, que tendo em conta as características pessoais daqueles trabalhadores, os standards decorrentes do direito da União Europeia, no quadro do qual a duração máxima do período experimental é fixada, por regra, em seis meses e ainda o acordo obtido em sede de concertação social determinavam que a norma em apreço não padecia de inconstitucionalidade.

Todavia, e na linha da conceptualização adotada, considerou ser inconstitucional a norma contida no artigo 112.º, n.º 1, alínea b), subalínea iii), do CT, na parte que se refere aos trabalhadores que estejam à procura do primeiro emprego, quando aplicável a trabalhadores que anteriormente tenham sido contratados, com termo, por um período igual ou superior a 90 dias, por outro(s) empregador (es), nos seguintes termos: “tendo em conta que os 90 dias acrescidos do novo regime só encontram justificação relativamente aos trabalhadores à procura do primeiro emprego, que não tenham (que não demonstrem terem) já cumprido um contrato de trabalho a termo para a mesma atividade por 90 dias (ou, por maioria de razão, vários contratos ou um contrato por tempo superior a 90 dias), ainda que com empregador diferente, porque ao fazerem-no – ao estar demonstrado que o fizeram – adquiriram precisamente aquela experiência profissional que justifica, para quem não adquiriu essa experiência, o alargamento do período experimental”.

Aqui chegados, cabe frisar que apenas foi declarada com força obrigatória geral, a norma contida no artigo 112.º, n.º 1, alínea b), subalínea iii), do CT, na parte que se refere aos trabalhadores que estejam à procura do primeiro emprego, quando aplicável a trabalhadores que anteriormente tenham sido contratados, com termo, por um período igual ou superior a 90 dias, por outro(s) empregador(es).

Pelo contrário, o alargamento do período experimental de 90 para 180 dias relativo quer para os trabalhadores à procura do primeiro emprego quer para os desempregados de longa duração não foi considerado inconstitucional por não verificada a violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

Verificados os termos da declaração de inconstitucionalidade resta saber se estes se apresentam como suficientes e em concordância necessária com o princípio de igualdade e da segurança no emprego em conjugação indissociável com conceitos de discriminação indireta (art.24.º n. º1 b) do CT). Parece, como tem sido propugnado por alguma doutrina e como decorre das declarações de voto do Conselheiro José João Abrantes e da Conselheira Mariana Canotilho, juntas ao Acórdão em causa, que permanece a dúvida.

Por outro lado, e na procura da maior conformidade com o equilíbrio do sistema a solução poderá apresentar-se como mais limitada do que o expectável.

Inês Cruz Delgado| DCM Lawyers

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