Seguindo uma posição já anteriormente adotada, o Tribunal Constitucional, por meio do Acórdão n.º 448/2013 (Rel.: Joana Fernandes Costa), julgou inconstitucional o disposto nos art. 3.º-A, n.º 3 e 5.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro, quando interpretados no sentido de a deliberação do conselho diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. prevista no primeiro dos preceitos definir a competência territorial de um TAF.
Embora o critério para a determinação da competência territorial do Tribunal seja o local da sede social ou da residência do executado, uma leitura conjunta daqueles dispositivos resultará que detém o conselho diretivo do IGFSS, I.P competência para, através de deliberação, determinar a repartição de competências em função do território dos TAF em matéria de execuções tributárias promovidas por aquele instituto.
Posto isto, considerou o TC, em Secção, que a interpretação daqueles preceitos vem a violar «frontalmente» diversos preceitos da CRP. Isto por três principais razões:
Em primeiro lugar, em face da circunstância da definição dos critérios de competência dos Tribunais estar na reserva relativa de competência da Assembleia da República (art.165.º, n.º 1, al. p) CRP), apenas o Parlamento poderá legislar sobre esta matéria, para além do Governo, desde que com a devida autorização para o efeito. Por conseguinte, apenas uma Lei Parlamentar, ou Decreto-Lei autorizado, poderá definir a competência dos órgãos jurisdicionais, «sem recurso a elementos externos ao ato legislativo». Assim sendo, uma norma que atribua competência à IGFSS, I.P. para definir a repartição de competências dos TAF, sem quaisquer critérios legais, «entregue à discricionariedade daquele órgão», se revela violadora da reserva de lei da Assembleia da República.
Ademais, ao fornecer ao conselho diretivo do IGFSS, I.P os «poderes para escolher o Tribunal em que suas iniciativas executivas serão julgadas», aquele normativo vem a permitir que as competências dos TAF sejam alteradas sempre que assim seja útil e conveniente, podendo aquele instituto concentrar as suas demandas em Tribunais que «adotem entendimentos mais benignos para a sua pretensão executiva, reduzindo a atividade jurisdicional de Tribunais mais renitentes em adotar leituras pro fisco». Ora, uma interpretação neste sentido sempre colidirá com o princípio do processo justo e equitativo (art. 20.º, n.º 4 e 268.º, n.º 4 CRP), visto resultar num «flagrante sacrifício da igualdade processual entre litigantes», com acrescidas dificuldades aos executados.
Finalmente, a presente prerrogativa da IGFSS, I.P representará «uma subordinação do poder judicial à autoridade administrativa», dado violar a independência dos tribunais, o sujeitando a ordens e instruções de uma determinada autoridade pública. De facto, consagrando a CRP «um princípio que postula a não-ingerência de outros órgãos do poder público na organização, gestão e realização da função jurisdicional cometida aos Tribunais» (art. 202.º, n.º 1 CRP), qualquer «disposição legal que confira a um órgão administrativo poderes para definir a competência dos Tribunais em razão do território é uma lapidar abrogação do estatuto constitucional de independência da Jurisdição». Assim, uma solução, tal como esta, introduzindo uma autoridade administrativa na autonomia do poder judicial, levará ao risco de produção de um efeito de asfixia da independência do seu exercício.
Mediante isto, julgaram os Juízes-Conselheiros do Palácio Ratton aquele complexo normativo, ao violar os art. 112.º, n.º 5, 165.º, n.º 1, alínea p), e 20.º, n.º 4 CRP, inconstitucional. Estando na linha do já sufragado em decisões anteriores (v.g., Ac. n.º 755/2022 e Ac. n.º 327/2023), deverá o TC, futuramente, apreciar este normativo em fiscalização abstrata, em vista à declaração de sua (não) inconstitucionalidade, e, por consequência, expurgá-lo (ou mantê-lo) no ordenamento jurídico.
Manter-nos-emos atentos a maiores desenvolvimentos sobre a presente matéria.
João Villaça @ DCM | Littler