Decidiu o Tribunal da Relação do Porto, no passado dia 14.09.2023, mais uma questão assente na matéria da concorrência desleal [decisão aqui].
Em causa, a criação, por parte de dois trabalhadores da Autora, de uma empresa terceira, com atividade na mesma área que esta, durante o período de vigência dos seus contratos de trabalho.
Ora, perante a questão sub judice, o douto Tribunal da Relação do Porto faz uma distinção entre a responsabilidade dos Réus no âmbito da sua relação laboral com a Autora, bem assim como da sua responsabilidade decorrente da prática de um facto ilícito com a produção de um dano na esfera desta.
No tocante à responsabilidade decorrente da relação laboral, importa salientar que, neste âmbito, sanciona-se a violação do dever de lealdade e a concorrência, independentemente dessa mesma conduta consubstanciar uma conduta desleal. De acordo com o Código do Trabalho, mais especificamente no seu art. 128.º, n.º 1, al. f), deve o trabalhador guardar lealdade ao empregador, não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, independentemente da natureza da sua conduta. Assim, a violação do dever de lealdade e a obrigação legal de não concorrência que impende sobre o trabalhador não dependem da verificação, em concreto, de um efetivo prejuízo para o empregador, sendo suficiente a potencialidade desse prejuízo.
De todo o modo, o mesmo entendimento não é adotado quando está em causa a verificação da responsabilidade civil por facto ilícito. Neste campo, tal como o nome indica, a ilicitude da conduta é pressuposto da verificação desta responsabilidade, até porque, na sociedade em que vivemos, a concorrência não só é lícita, como desejável, estando constitucionalmente consagrada através da liberdade de iniciativa privada – cfr. arts. 61.º, 80.º e 86.º da Constituição da República Portuguesa). Temos, então, como requisitos de concorrência desleal: i) a prática de um ato de concorrência, e ii) que esse ato seja contrário às normas e usos honestos da atividade económica. Exige-se, portanto, no campo da responsabilidade civil, uma censurabilidade da conduta concorrencial por contrariedade às normas e usos ditos “honestos” da atividade em questão. Contudo, quanto a esta contrariedade, há que advertir que, na ausência de usos específicos de determinado setor empresarial, se deve fazer apelo à ética da praxis empresarial ou dos princípios éticos comerciais básicos.
Assim, não está em causa a finalidade de criação de dano na esfera do concorrente de mercado – esta é sempre a finalidade de qualquer conduta concorrencial -, mas sim os meios dos quais o agente se serve para agir no mercado.
Em suma, o apuramento da responsabilidade no campo da concorrência difere do tipo de relação mantida entre os agentes no mercado. Enquanto entre trabalhadores e empregador se exige a mera verificação de uma prática concorrencial praticada pelo trabalhador para a necessidade de tutela da posição do empregador no mercado, no campo civil é necessário que essa conduta seja acompanhada de uma contrariedade às normas e aos usos “honestos” dessa atividade de económica.
José Maria Coelho @ DCM | Littler