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Prestações devidas e não prestadas por “longos anos”: abuso de direito do trabalhador?

By 17 Janeiro, 2022No Comments

Do Ac. do TRC de 08.09.2021 (Jorge Manuel Loureiro), proc. 4807/19.7T8VIS.C1 consta que: [o] facto de um trabalhador vir a exigir do empregador prestações salariais que há longos anos lhe eram devidas e que já podia ter exigido, mas que não exigiu, qualquer que tenha sido o motivo, não integra, por princípio, uma atuação com abuso do direito, mas antes um exercício incensurável do mesmo direito”. 

Prima facie, numa primeira leitura, tal determinação poderá parecer estranha. No entanto, dever-se-á proceder com uma leitura atenta do art. 337.º, n.º 1, do CT que dispõe no seguinte sentido: “[o] crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”. 

Significa então que um trabalhador poderá esperar pela cessação para que, no período de um ano, possa exigir o pagamento dos créditos laborais, referentes àquele contrato de trabalho – que sejam devidos e não tenham sido prestados. A lei suspende o prazo, ao longo da vigência do contrato de trabalho, para o trabalhador possa fazer essa exigência após a cessação – um período que, além de ser propício à feitura de contas finais, é especificamente apto a libertar o trabalhador de pressões ou constrangimentos psicológicos em acionar o seu empregador por todos os créditos laborais. 

A lei clarifica, ainda que vagamente, o tipo de créditos em causa: créditos emergentes do contrato de trabalho, pela sua cessação ou violação. O que abrange, segundo a larga maioria da jurisprudência pátria, com exceção (aparentemente única) do Ac. do TRC de 02.03.2011 (José Eusébio Almeida), proc. 1191/09.0TTCBR.C1os juros de mora. 

Repare-se que o preceito é ambivalente; vale tanto para trabalhadores como para os empregadores. O legislador demonstra entender, com esta ambivalência, que os fundamentos da prescrição laboral são comunicáveis a uma e outra parte. Quer isto dizer, que a suspensão aproveita trabalhadores e empregadores pelo (suposto?) constrangimento psicológico em acionar a contraparte. O que poderá gerar alguma confusão, pois os constrangimentos de um trabalhador divergem dos constrangimentos do empregador, especialmente no caso de violação do contrato de trabalho por uma e outra parte. 

Num segundo reparo, é patente a omissão legal quanto ao limite da suspensão deste prazo de prescrição. O legislador pretendeu acautelar relações de trabalho longas – pelo facto de as relações de trabalho serem tendencialmente duradouras – e que, na sua passagem, possam acarretar prestações devidas e não prestadas em diferentes momentos temporais. 

Será legítimo questionar a aplicação da figura do abuso de direito (art. 334.º do CC) – é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito – a relações de trabalho que tenham perdurado por 18, 20, 30 anos? Em relação mais créditos laborais, além das retribuições? Como constituem em hipótese os juros de mora. 

Por um lado, é verdade que o constrangimento do trabalhador, à partida, aproveita todo e qualquer crédito laboral, pela sua cessação ou violação, onde se inclui os juros de mora. Parece-nos estranho que um trabalhador se encontre constrangido para pedir salários em atraso, mas já não esteja para o caso dos juros de mora. A letra do art. 337.º, n.º 1, inclui expressamente os créditos referentes à violação do contrato de trabalho. 

Por outro lado, não se poderá deixar de questionar o exercício paralelo operado para a proibição do anatocismoi.e., a proibição de juros sobre juros – relembre-se que o anatocismo consiste na capitalização dos juros de um capital, já vencidos e não entregues, com o fim de os fazer produzir juros. 

Será que um trabalhador poderá, estrategicamente, “aguardar” (os 18, 20, 30 anos) pelos juros de mora referentes a um crédito laboral e, com isso, exigir o seu pagamento, num momento ulterior – diga-se, bastante tempo depois? 

Trata-se de um tema a ser estudado para futuro. Especialmente porque retrata a fronteira entre o exercício legítimo de direitos e o exercício abusivo (em especial respetiva prova deste). Ab initio, o mecanismo da proibição de abuso direito, salvo disposição contrária, é aplicável a qualquer exercício de direitos, uma vez reunidos os respetivos pressupostos. 

Tiago Sequeira Mousinho @ DCM | Littler