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Prisão Preventiva – Que relevância no procedimento disciplinar? Em especial, quanto à resposta à nota de culpa?

By 15 Abril, 2024No Comments

Extensas linhas foram já escritas sobre a problemática dos efeitos produzidos no contrato de trabalho pela circunstância de ser aplicada ao trabalhador a medida de coação mais gravosa prevista pelo Código de Processo Penal (prisão preventiva – artigo 202.º do CPP).

Nomeadamente, têm sido apreciados os seus efeitos quer ao nível do possível efeito suspensivo sobre a relação contratual, quer ao nível da consideração ou não, como justificadas, das faltas dadas pelo trabalhador em virtude da situação de se encontrar privado da sua liberdade.

Não sendo este o foco principal do presente artigo, importa relembrar em traços sumários e gerais que, nos termos do artigo 296.º, n.º 1 do Código do Trabalho (CT), o contrato de trabalho se considera suspenso quando ocorra impedimento temporário por parte do trabalhador que i) não lhe seja imputável e ii) se prolongue por período superior a 30 (trinta) dias ou, ainda que por período inferior, desde que seja previsível que o impedimento vai perdurar por mais de um mês, suspendendo-se a partir do momento em que tal se verifique (idem, n.º 3).

Já no que se refere às faltas dadas pelo trabalhador durante o período em que se encontra sujeito a prisão preventiva, a doutrina e a jurisprudência divergem quanto à consideração das mesmas como sendo ou não justificadas, com todas as consequências que um e outro entendimento envolvem, designadamente, ao nível da perda ou não do direito à retribuição, podendo ainda ocorrer o cúmulo de faltas necessárias para fundar justa causa de despedimento (sendo certo que neste ponto poderíamos averiguar ainda se seria ou não lícito o despedimento com justa causa antes da decisão final condenatória no processo penal, mas deixamos para futuras divagações). A propósito deste último parênteses, e somente a título exemplificativo, recupera-se o longínquo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.05.1997 (Proc. n.º 96s177, Relator: Matos Canas) disponível aqui, onde, também sobre a questão da justificação deste tipo de faltas, se tomava a seguinte posição: “A jurisprudência tem decidido que a prisão resultante de condenação constitui motivo de faltas não justificadas: na base de tal prisão e das consequentes faltas ao serviço, está sempre um comportamento que o trabalhador quis ou que, podendo evitar tal atuação, não agiu de modo adequado para que o evento criminoso, mesmo que culposo, não ocorresse.” considerando ainda que “A este propósito não adianta chamar à colação as máximas constitucionais da presunção da inocência do arguido e da proibição dos despedimentos sem justa causa, pois que estamos no campo do direito disciplinar laboral e não no domínio do direito penal ou processual penal.”. (destacados nossos).

Já em sentido oposto, deixa-se aqui a referência, também a título exemplificativo, à decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 4.11.2004 no âmbito do processo n.º 4936/2004-4 (Relator: Filomena Manso) e disponível aqui.

Aqui chegados e considerando o título do presente artigo, a questão que nos propomos lançar insere-se no âmbito dos reflexos da aplicação da medida de coação prisão preventiva a um trabalhador em sede de tramitação do procedimento disciplinar. Mais concretamente:

Que impacto/relevância procedimental tem a prisão preventiva de um trabalhador durante o decurso do prazo para resposta à nota de culpa?

Todo o trabalhador que seja alvo de um procedimento disciplinar encontra-se ao abrigo da garantia de que nenhuma sanção disciplinar lhe poderá ser aplicada sem que previamente ele possa apresentar a sua defesa (artigo 329.º, n.º 6 do CT), tendo 10 (dez) dias úteis para o fazer após notificação da nota de culpa (artigo 355.º, n.º 1 do CT).

Mas e se no decorrer de tal prazo, ocorrer a prisão preventiva do trabalhador? O que acontece a tal prazo? Suspende-se? Será que o trabalhador se encontra em situação passível de lhe garantir condições para apresentação de defesa escrita? E será que não sobrevindo a prisão preventiva ao conhecimento da entidade empregadora, decorrendo o procedimento disciplinar “dentro da normalidade”, pode posteriormente tal circunstância provocar a revogação da decisão mediante impugnação da aplicação da sanção pelo trabalhador?

O que nos diz o Código do Trabalho sobre isto? Bom, nada. Encontramos uma total omissão do nosso Código do Trabalho, uma ausência de ancoragem para resposta às questões elencadas. Enfim, ao que parece, uma lacuna legislativa.

Passível de preenchimento? Olhando à demais legislação laboral, tentámos encontrar alguma linha de orientação na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.

Encontramos no Capítulo VII (“Exercício do poder disciplinar”), Secção III (“Procedimentos disciplinares”), Subsecção II (“Procedimento disciplinar comum”), Divisão II (“Fase de defesa do trabalhador”) o artigo 215.º cujos n.ºs 1, 2 e 3 deste preceito dispõem do seguinte modo:

1 – Quando o trabalhador esteja incapacitado de organizar a sua defesa por motivo de doença ou incapacidade física devidamente comprovadas, pode nomear um representante especialmente mandatado para o efeito.

2 – Quando o trabalhador não possa exercer o direito referido no número anterior, o instrutor nomeia-lhe imediatamente um curador, preferindo a pessoa a quem competiria o acompanhamento, se este fosse requerido nos termos da lei civil.

3 – A nomeação referida no número anterior é restrita ao procedimento disciplinar, podendo o representante usar de todos os meios de defesa facultados ao trabalhador.” (destacados nossos).

Verificamos, deste modo, que a LTFP prevê a possibilidade de, em caso de “incapacidade física devidamente comprovada” o trabalhador (ou o próprio empregador em caso de impossibilidade daquele) nomear um representante (ou, na segunda hipótese, um curador) para, em seu nome e representação “usar de todos os meios de defesa facultados ao trabalhador” no âmbito do procedimento disciplinar, do que decorre que: i) não apresenta qualquer solução tendente a uma eventual suspensão do procedimento disciplinar; ii) apresentando, outrossim, um conjunto de possíveis formas de atuação tendentes a permitir o seu normal prosseguimento.

Mas será que a circunstância de se encontrar em prisão preventiva consubstancia uma situação de absoluta incapacidade física do trabalhador para apresentação de resposta à nota de culpa?

Consideramos que, por certo, não se tratará de uma incapacidade absoluta, porquanto poderia o trabalhador, que no âmbito do procedimento criminal sempre teria direito a ser representado por advogado, através deste veicular a sua resposta ou, quando muito, notificar a sua entidade empregadora da sua circunstância atual, em face do que esta poderia, eventualmente, atribuir-lhe prazo suplementar para apresentação de defesa, conforme solução relatada no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.04.2018 (Proc. n.º 931/17.9t8vrl.g1, Relator: Vera Sotomayor), disponível aqui, “ao aperceber-se da dificuldade em garantir o exercício dos direitos da autora no prazo subsequente à receção da nota de culpa, veio atribuir-lhe um novo prazo de dez dias para o efeito.”.

De todo o modo, não obstante não ser absoluta, a dificuldade existe, isto é, estamos perante uma circunstância suscetível de diminuir a capacidade de o trabalhador organizar a sua defesa com um máximo de eficiência. Por este motivo, e retomando a lacuna supra identificada, considera-se possível a aplicação analógica das soluções dispostas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 215.º da LTFP (cfr. artigo 10.º do Código Civil).

Finalmente, imaginando que a prisão preventiva nunca chegou ao conhecimento da entidade empregadora, vindo a decidir-se pela aplicação de sanção disciplinar: i) produz efeitos a notificação da decisão final remetida para a residência do trabalhador? ii) em caso negativo, existe o risco de prescrever o procedimento disciplinar em virtude da passagem de um ano desde a sua instauração, sem que o trabalhador tenha sido dela notificado? iii) e em caso afirmativo, pode o trabalhador vir posteriormente impugnar o procedimento com fundamento na violação do disposto no n.º 6 do artigo 329.º do CT?

Estas são questões que deixamos para uma próxima divagação.

Rui Rego Soares @ DCM | Littler