Nos últimos dois anos, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) teve a oportunidade de se pronunciar sobre a privacidade dos trabalhadores no local de trabalho. Vejamos quatro casos:
Ac. TEDH 12.1.2016 (caso Bărbulescu c. Roménia I) proc. n.º 61496/08
Em determinadas circunstâncias (v.g. existência de regras sobre o uso profissional dos instrumentos de trabalho e necessidade de verificar se o trabalhador cumpria as ordens do empregador), o empregador pode monitorizar comunicações dos trabalhadores feitas através de instrumentos de trabalho. O caso tratou da utilização do Yahoo Messenger para fins pessoais durante o horário de trabalho.
Ac. TEDH 5.9.2017 (caso Bărbulescu c. Roménia II) proc. n.º 61496/08
O empregador pode regular o uso privado das comunicações, mas não pode não pode eliminar a vida social privada do trabalhador no local de trabalho. Neste caso, o TEDH apresenta algumas diretrizes de análise para evitar abusos, designadamente:
- O trabalhador foi informado, de forma clara e antecipada, sobre a possibilidade de monitorização da correspondência e das comunicações, bem como da sua implementação?
- Qual é o nível da monitorização e de intrusão?
- Existem motivos legítimos para a monitorização e para o nível de intrusão em causa?
- Existem métodos e medidas de monitorização menos intrusivas do que o acesso ao conteúdo da correspondência e das comunicações?
- Quais são as consequências da monitorização e da intrusão para o trabalhador?
- Qual é o uso dado pelo empregador aos dados recolhidos?
- Quais são os meios de proteção do trabalhador, no caso de intromissão clara e evidente?
Ac. TEDH 9.1.2018 (López Ribalda e outros c. Espanha) procs. n.º 1875/13 e n.º 8567/13)
A instalação de câmaras ocultas de videovigilância depende de uma suspeita fundamentada e especialmente dirigida para os (potenciais) infratores; não pode ser dirigida a todos os trabalhadores (v.g. que prestam funções nas caixas registadoras), de forma irrestrita ou ilimitada; e, aparentemente, os trabalhadores devem ser previamente informados.
Ac. TEDH 22.2.2018 (Affaire Libert c. França) proc. n.º 588/13)
Em determinadas circunstâncias, os dados não profissionais (v.g. os que forem como tais identificados e armazenados pelo trabalhador no computador colocado à disposição pelo empregador) podem ficar protegidos pela noção de vida privada. O bom funcionamento da empresa e a possibilidade de controlo da utilização dos instrumentos de trabalho, de acordo com as suas ordens e diretrizes, são interesses legítimos que podem justificar a definição e implementação de procedimentos de monitorização do empregador.
O caso tratou do arquivo de fotografias e de vídeos de pornografia num ficheiro denominado “risos”, arquivado num disco com o nome “D:/dados pessoais”.
Ao contrário dos casos Bărbulescu, estava em causa uma ingerência de uma autoridade pública, porque o empregador (i) era uma pessoa coletiva de direito público, (ii) sob a tutela do Estado, (iii) com administração nomeada por este, (iv) que prestava um serviço público, (v) detinha um monopólio e (vi) beneficiava de uma garantia implícita do Estado.
Sem prejuízo da necessária transposição para o caso concreto, estes arestos permitem chamar a atenção para uma das quatro áreas do Direito do trabalho com maior vocação expansiva e regulatória: a privacidade. As outras são as seguintes: (i) a igualdade e não discriminação; (ii) o assédio; e (iii) a segurança e saúde no trabalho.
(Cfr. as deliberações da CNPD sobre geolocalização e tecnologias de informação)
(Cfr. Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados)
(Cfr. Blog de Eduardo Rojo Torrecilla)
(Cfr. Bărbulescu v Romania and workplace privacy: is the Grand Chamber’s judgment a reason to celebrate?)
(Cfr., por exemplo, as monografias de Teresa Coelho Moreira, aqui, aqui, aqui e aqui)