No passado dia 23.3.2018, o Governo apresentou aos Parceiros Sociais um programa de revisão da legislação laboral que assenta em três eixos fundamentais: (i) combater a precariedade e reduzir a segmentação do mercado de trabalho; (ii) promover um maior dinamismo da negociação coletiva; (iii) reforçar os meios e instrumentos públicos de regulação das relações laborais.
No primeiro eixo, o Governo pretende: (i) limitar as possibilidades legais de uso de contratos de trabalho a termo e promover uma maior proteção dos trabalhadores; (ii) diminuir o uso excessivo de contratos não permanentes e promover a contratação sem termo; (iii) garantir uma maior proteção dos trabalhadores temporários; e (iv) simplificar o processo de celebração de contrato individual de trabalho e promover a sua desmaterialização.
No segundo eixo, encontramos os seguintes objetivos: (i) aumentar o núcleo de matérias reservadas à esfera da negociação coletiva; (ii) prevenir a ocorrência de lacunas da caducidade das convenções coletivas; e (iii) promover a dimensão coletiva dos instrumentos de regulação do trabalho.
O terceiro eixo visa (i) reforçar os meios e instrumentos da Autoridade para as Condições do Trabalho e (ii) reforçar o papel da Administração do Trabalho na mediação e conciliação.
Uma primeira nota para registarmos o (ruidoso) silêncio sobre o valor das custas processuais, a revisão do Código de Processo do Trabalho ou o montante do IVA associado à consulta jurídica extrajudicial de pessoas singulares. Aparentemente, não são obstáculos (relevantes) no combate à precariedade laboral e à segmentação laboral, nem ao dinamismo da negociação coletiva. Até podemos admitir que são matérias que envolvem áreas governativas distintas do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, mas as propostas são “do Governo”.
As medidas do primeiro eixo destinadas a limitar as possibilidades legais de uso de contratos de trabalho a termo e a promover uma maior proteção dos trabalhadores são as seguintes: (i) redução da duração máxima dos contratos de trabalho a termo certo de 3 para 2 anos; (ii) limitação do período de renovação à duração inicial do contrato; (iii) redução da duração máxima dos contratos de trabalho a termo incerto de 6 para 4 anos; (iv) redução dos fundamentos de contratação a termo certo, designadamente através da eliminação da norma que permite a contratação de jovens à procura do primeiro emprego e de desempregados de longa duração, permitindo apenas a contratação de desempregados de muito longa duração (i.e., desempregados há mais de dois anos), bem como da reserva do fundamento de abertura de novo estabelecimento para as empresas com menos de 250 trabalhadores); (v) eliminação da possibilidade de alterar o regime da contratação a termo, através da negociação coletiva, ao arrepio do segundo eixo de medidas apresentadas; (vi) atribuição da compensação em caso de caducidade do contrato de trabalho a termo sem renovação; redução do prazo de garantia para 4 meses de acesso ao subsídio social de desemprego inicial no caso de caducidade de contrato de trabalho a termo.
Quatro notas sobre este primeiro conjunto de medidas:
Em primeiro lugar, a redução da duração – ou da renovação – dos contratos de trabalho a termo não resolve o problema da precariedade ou da segmentação, se não forem adotadas medidas práticas para aplicar, por exemplo, as normas que referimos adiante. Por outro lado, se existirem necessidades temporárias que ultrapassem a duração máxima legalmente prevista, os agentes económicos procurarão outras opções de flexibilidade organizacional, quando podiam – e deviam – recorrer à contratação a termo.
Em segundo lugar, embora a lei mencione “trabalhador à procura de primeiro emprego”, o Governo propõe-se eliminar o fundamento de contratação de jovem à procura de primeiro emprego. Aguardamos pelos reflexos na – elevada – taxa de desemprego jovem.
Em terceiro lugar, as grandes empresas deixarão de poder contratar a termo com fundamento na abertura de novo estabelecimento. É certo que se trata de um obstáculo ao desenvolvimento empresarial, mas fica a dúvida se não vai restringir o acesso ao mercado de trabalho ou incentivar a descentralização societária.
Em quarto lugar, em clara contradição com a (suposta) aposta na dinamização da negociação coletiva e no aumento do núcleo de matérias reservadas, o regime do contrato a termo fica expressamente excluído.
Estas reservas podem ser esclarecidas com a análise do projeto de diploma que estará, seguramente, a ser preparado.
No entanto, cumpre referir, em abono da verdade, que o atual regime permite, por exemplo, (i) controlar os fundamentos invocados e a sua relação com o prazo de duração do contrato (arts. 141.º, n.º 1, al. e), e n.º3, e 147.º, n.º 1, als. a) e c), do CT); (ii) evitar a sucessão de contrato a termo, de contrato de trabalho temporário ou de contrato de prestação de serviço para a ocupação do mesmo posto (art. 143.º, n.º 1, 147.º, n.º 1, al. d), do CT); (iii) assegurar a transparência sobre os postos de trabalho a termo e permanentes (art. 144.º do CT); (iv) garantir a preferência na admissão com contrato de trabalho por tempo indeterminado (art. 145.º do CT); (v) e estabelecer a igualdade de tratamento (art. 146.º do CT). Naturalmente, por força da separação de poderes, a resolução destes litígios não pode ficar a cargo da Administração Pública, mas dos Tribunais.
Em nosso entender, a atual legislação consagra meios suficientes para combater a precariedade e a segmentação do mercado de trabalho. Todavia, a sobrecarga fiscal sobre a consulta jurídica (prévia ao litígio judicial), o valor das custas processuais, a morosidade das ações ditas “não urgentes” e os problemas de prova impedem esse resultado. É verdade que fica mais barato – e pode ser mais rentável – sobrecarregar as empresas com procedimentos e fiscalizações avulsas. Contudo, não se alcança em que medida as alterações propostas melhoram a vida dos trabalhadores, sem a resolução célere dos outros (reais) problemas.
Na falta de recursos financeiros que permitissem melhorar a Justiça do Trabalho e, dessa forma, assegurar a efetividade da atual legislação, o Governo opta por alterar a lei com a expectativa de alterar comportamentos, sob a ameaça de uma Inspeção do Trabalho mais presente e interventiva. É uma opção legítima, mas fica a dúvida se não seria possível escolher um caminho diferente.