Após alguns avanços e recuos, no passado dia 20 de dezembro de 2021, foi publicada a Lei n.º 93/2021, que estabelece o regime geral da proteção de denunciantes de infrações, transpondo a Diretiva (EU) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União.
A lei aplica-se por regra a pessoas que no âmbito da sua atividade profissional, tomem conhecimento de atos ou omissões contrárias a regras constantes dos atos da União Europeia, a normas nacionais que executem, transponham ou deem cumprimento a tais atos ou a quaisquer outras normas constantes de atos legislativos, incluindo as que prevejam crimes ou contraordenações referentes a (i) contratação pública, (ii) serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, (iii) segurança e conformidade dos produtos, (iv) segurança dos transportes, (v) proteção do ambiente, (vi) proteção contra radiações e segurança nuclear, (vii) segurança dos alimentos para consumo humano e animal, saúde animal e bem-estar animal, (viii) saúde pública, (ix) defesa do consumidor e (x) proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e dos sistemas de informação.
Prevê-se assim que a partir de junho de 2022 – data de entrada em vigor da lei -, que as pessoas coletivas, incluindo o Estado, que empreguem 50 ou mais trabalhadores, disponham de um canal de denúncias (internas) que permita a apresentação e o seguimento seguros de denúncias, a fim de garantir a exaustividade, integridade e conservação da denúncia, e a confidencialidade da identidade ou o anonimato dos denunciantes.
O Ministério Público, os órgãos de polícia criminal, o Banco de Portugal, as autarquias locais, entre outros, devem também criar canais de denúncias (externas) independentes e autónomos dos demais canais de comunicação, para receber e dar seguimento específico a este tipo de denúncias, e sendo necessário, avançar com o respetivo procedimento criminal.
Com o novo regime de proteção dos denunciantes, são completamente proibidos atos de retaliação contra os mesmos, tendo a lei elencado, dentro do possível, os atos e condutas que poderão ser considerados como tal, por forma a garantir uma proteção mais eficaz.
Contudo, mais uma vez, a transposição da diretiva levanta alguns problemas, isto porque, parece-nos evidente que o legislador devia ter ido além do que se encontra regulamentado.
Desde logo, muito se estranha que tenham sido estabelecidas exceções ao seu âmbito de aplicação, nomeadamente em relação às autarquias locais com menos de 10.000 habitantes, que não necessitam de dispor de canais de denúncias.
As autarquias locais são importantes focos de decisão, e deveriam ser alvo dos mecanismos de controlo da nova lei, dando a oportunidade aos agentes que com elas se relacionam, de denunciarem procedimentos e tomadas de decisão que resultam de uma prática infratora. Sem generalizar, a perspetiva de um maior controlo da forma de decisão destas instituições e o combate à corrupção, ficaram prejudicados com a redação dada à lei.
Ficam também dúvidas em relação à aplicabilidade dos canais de denúncias aos gabinetes ministeriais com menos de 50 trabalhadores. Novamente, a lei foi aquém do previsto na diretiva, e em consequência, também este importante centro de decisão ficou isento de um novo mecanismo de controlo.
Em suma, consideramos que a transposição da diretiva poderá, por não ambiciosa, motivar questões de interpretação ou até colocar em causa a sua aplicação e eficácia.
Cláudio Rodrigues Gomes @ DCM | Littler