Cada vez mais a liberdade de expressão é exercida de diferentes formas. A era digital e o impacto das redes sociais são prova disso.
Sobre o tema da liberdade de expressão nas redes sociais versou o Acórdão do Tribunal Superior de Justicia de Madrid, de 30 de Junho de 2020, no qual o Tribunal espanhol considerou ilícito, por não constituir justa de causa de despedimento, um despedimento de uma trabalhadora de uma companhia aérea que escreveu no grupo de Facebook, grupo destinado a trabalhadores da empresa, um texto irónico sobre a empresa onde trabalhava.
O texto publicado versava de forma crítica sobre a atuação de uma empresa em resposta ao comportamento de um cliente. O Tribunal considerou o despedimento ilícito por entender que apenas tinham sido utilizados termos humorísticos, de cariz literário, sobre o desempenho da empresa, e, como tal, não tendo sido utilizados expressões de cariz insultuoso, pelo que o bom nome da empresa não teria sido afetado.
Em Portugal, a liberdade de expressão do trabalhador encontra-se expressamente consagrada no art. 14º do Código de Trabalho e corresponde ao direito dos trabalhadores em exprimir e divulgar as suas ideias e opiniões; também os arts. 16.º e 22.º do CT especificam que o trabalhador tem direito à proteção da sua privacidade – enquanto expressão da tutela da dignidade do trabalhador e da sua cidadania – esta entendida numa perspectiva de “Citizenship in work” cfr. A era dos “memes” em contexto laboral.
Contudo, a liberdade de expressão do trabalhador não é ilimitada. A sua limitação redunda, essencialmente: i) no respeito pelos direitos de personalidade do trabalhador e do empregador incluindo as pessoas singulares que o representam; ii) o normal funcionamento da empresa.
A propósito da definição de limites, a jurisprudência nacional tem vindo a definir critérios para o efeito no âmbito da privacidade, entendendo como relevante: i) o tipo de serviço onde a informação é divulgada; ii) a composição da rede social, número e características dos membro; iii) matéria sobre a qual incidem as publicações ou ainda; iv) a política de privacidade adotada – cfr. O Facebook e as relações laborais: casos recentes.
Atendendo a estes critérios: em Portugal este comportamento seria suficiente para fundamentar o despedimento? Primeiramente, note-se que a publicação do texto humorístico, não obstante ter tido lugar em plataforma pública, fora feita num grupo apenas destinados a trabalhadores da empresa. Por outro lado, no seguimento da publicação existiram várias críticas à companhia. Não teria sido afetado o normal funcionamento da empresa? Não existiu rutura da confiança estabelecida entre as partes?
Tendo o trabalhador um dever de lealdade para com o empregador, este não se considera violado pela circunstância de a atuação da trabalhadora ter causado danos à empresa? Como se definirá, nestes casos, a relação entre a atuação da trabalhadora e os danos (pressuposto da violação do dever de lealdade)? Terá sido a publicação da trabalhadora em grupo destinado a trabalhadores da empresa que suscitou o número de reclamações existentes ou, porventura, a própria atuação da empresa constituiu motivo bastante?
A legislação portuguesa não densifica a matéria de liberdade de expressão nas redes sociais, deixando aos tribunais judiciais a concretização e definição das coordenadas.
Por enquanto, resta-nos seguir a linha jurisprudencial até aqui adotada segundo a qual os comportamentos adotados pelos trabalhadores nas redes sociais, desde que consubstanciem a violação de deveres emergentes do vínculo laboral, assumindo uma gravidade ou consequências que comprometam a viabilidade da manutenção do vínculo, podem ser fundamento para justa causa de despedimento. Para tal juízo, é indispensável verificar se a atividade do trabalhador nas redes sociais está protegida pela reserva de intimidade da vida privada ou não.
Se é certo que comportamentos insultuosos têm sido tomados pelos Tribunais portugueses como fundamento de despedimento, qual a fronteira entre a liberdade de expressão e a ofensa quando é utilizada a ironia? Estarão os nossos tribunais preparados para malabarismos de tal astúcia?
Inês Cruz Delgado | DCM Lawyers