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Quantia recebida,(i)licitude confirmada?

No seguimento de uma decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16 de fevereiro, rumamos para noções que já percorreram longos caminhos, tanto na doutrina como a nível jurisprudencial: a boa-fé e o abuso de direito.

A situação em apreço diz respeito à cessação de um contrato a termo onde a Trabalhadora aceitou os valores respeitantes à caducidade do contrato e, ainda assim, pretendeu que este despedimento fosse declarado ilícito.

Nesta senda, a Recorrente invocou uma situação de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium alegando ter sido gerada uma situação de confiança, por parte dos comportamentos da Trabalhadora, o que valeria a que este despedimento fosse lícito. Ora, o que dizer?

Desde logo, o Tribunal, por entender que houve uma sobreposição de conceitos, explicitou algumas ideias essenciais.

Primeiro, que a boa-fé existe enquanto uma cláusula geral, com caráter indeterminado que apenas com “figuras sintomáticas” pode ser concretizada e, por isso, reduzi-lo a um comportamento “honesto, correto e leal” é, salvo redundância, redutor. Segundo, que a proibição de venire contra factum proprium compreenderá sempre uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente.

Quer isto significar que a ideia de abuso de direito pode muitas vezes estar inerente e incluída no que se entende por violação da boa-fé. Recorrendo ao esclarecimentos do Prof. Dr. Vaz Serra: “É o que se dará, em regra, no domínio contratual, onde as partes devem proceder segundo a boa-fé: aí, o abuso do direito será frequentemente uma ofensa da boa-fé devida”.

Tendo isto presente, analisemos a conduta da Autora. Será abusiva a situação onde, decorrente da situação de precariedade devido ao término do contrato, a Trabalhadora aceita as quantias devidas pela Empregadora e solicita o subsídio de desemprego? O Tribunal considerou que não. Mas porquê?

Porque, para além não estarmos perante um caso de despedimento coletivo que admite uma presunção iuris tantum de aceitação do despedimento pelo trabalhador quando recebe do empregador a totalidade da compensação pela cessação do contrato de trabalho, tal como dispõe o art. 366.º, n.º 4 do Código do Trabalho, não se poderia conceber que estivéssemos uma expetativa legítima que fora defraudada porque as importâncias recebidas sempre seriam devidas por ilícito despedimento.

Pela importância do aprofundamento de conceitos indeterminados como estes, permaneceremos atentos a possíveis desenvolvimentos sobre esta temática.

Maria Beatriz Silva @ DCM | Littler

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