Recentemente um acórdão do Supremo foi objeto de algum interesse por parte da comunicação social. Esta decisão do Supremo debruçava-se sobre a proporcionalidade da aplicação de 15 dias de suspensão com perda de antiguidade e retribuição a um trabalhador que tentou apropriar-se de um saco plástico. Aquele Tribunal, não negando a existência da infração disciplinar praticada pelo trabalhador, entendeu que a sanção aplicada teria sido desproporcional por entender que o prejuízo causado pela aplicação dos dias de suspensão era demasiado elevado face ao bem que estava em causa. Ora, foi precisamente este aspeto que foi o foco da comunicação social aproveitando esta dimensão como o ponto mais relevante do acórdão.
Não obstante, esta decisão levanta dois problemas relevantes autónomos. Em primeiro lugar, temos a dimensão da proporcionalidade de uma sanção conservatória do contrato de trabalho. Ficou registado em sumário que “apresenta-se como manifestamente desproporcional a aplicação da sanção de suspensão do trabalho com perda de retribuição de 15 dias (€ 367,50) a um trabalhador que tentou levar, sem o pagar, para fora do estabelecimento da empregadora, onde trabalhava, um saco de plástico desta, sendo que o prejuízo da empregadora, a concretizar-se, seria de € 0,02”. Este sumário pode ser mal interpretado, uma vez que permite concluir que apenas infrações que promovam um dano patrimonial é que podem ser objeto de sanção de dias de suspensão com perda de antiguidade e retribuição. Ainda assim, o prejuízo para o empregador teria de ser próximo do dano causado pelo trabalhador. Ora, entendemos que não poderá ser esta a interpretação da decisão, uma vez que nem todas as infrações disciplinares promovem dano patrimonial ao empregador. Portanto, isto leva-nos à segunda dimensão da nossa análise: a proporcionalidade da aplicação da sanção não deve ser aferida por qualquer aspeto patrimonial, mas pelo desvalor da ação praticada pelo trabalhador. O farol de uma decisão disciplinar tanto pode estar no efetivo prejuízo patrimonial ou a quebra de confiança, mas nunca se olvidando que de acordo com o art. 330.º, n.º 1 do Código do Trabalho, a sanção disciplinar deve ser proporcional à (i) gravidade da infração e à (ii) culpabilidade do infrator. Portanto, ainda que o valor patrimonial possa ter alguma relevância para a identificação do cumprimento do critério da proporcionalidade, a gravidade e a culpa da infração são as dimensões mais importantes.
O acórdão em análise parece ter estado essencialmente focado na infração isolada fazendo alguns juízos de valor quanto ao salário do trabalhador em causa, parecendo ignorar um aspeto fundamental que consta da matéria considerada como provada: o trabalhador em causa tinha antecedentes disciplinares, um deles concluído com a aplicação de uma sanção de 30 dias de suspensão por ter tentado apropriar-se de um outro bem do empregador. Este facto leva-nos a ter sérias dúvidas quanto ao sentido da decisão. Por outro lado, o acórdão chama-nos a atenção que “dentro do leque das sanções disciplinares previstas no art.º 328.º do Código do Trabalho, a Ré aplicou ao Autor a quinta mais gravosa, tendo apenas acima desta o despedimento com justa causa, e que na medida concreta da suspensão sem retribuição foi aplicado o valor médio da mesma, dado que o máximo é de 30 dias por infração, como se prevê na al. c) do n.º 3 desse artigo”. Depreende-se aqui que o Supremo entende que a aplicação de uma sanção de suspensão para apropriação de um bem no caso de um trabalhador com antecedentes seria sempre desproporcional e que deveria ser aplicada qualquer outra sanção disciplinar – repreensão, repreensão registada, sanção pecuniária ou perde de dias de férias.
Esta decisão do Supremo pode ter aberto um precedente no sentido de limitar da aplicação de sanções disciplinares. O risco desta posição poderá levar os empregadores a assumirem muito mais decisões de despedimento com justa causa se tiverem dúvidas quanto à graduação da sanção conservatória.
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