Recentemente foi tornado público o desenvolvimento de uma ação inspetiva global da ACT para verificação do cumprimento das quotas de emprego para pessoas com deficiência previsto na Lei n.º 4/2019, de 10 janeiro. Na verdade, este regime foi aprovado com vista a garantir uma maior empregabilidade dos trabalhadores com um grau de incapacidade igual ou superior a 60% e está inserido num contexto em que ninguém deve ser deixado para trás no mercado de trabalho. Contudo, o problema que se antecipa não está relacionado com o mérito do objetivo, mas com a elaboração do regime. Não podemos deixar de ter dúvidas quanto à sua implementação prática, pelo que vamos fazer o exercício de levantar as questões que nos parecem ser mais relevantes neste momento:
- Relativamente ao sistema de quotas, ao contrário de outras soluções legais nacionais, em Portugal estamos perante um mero regime de cumprimento matemático de uma percentagem consoante critérios quanto à dimensão das empresas. Será o regime que melhor protege o trabalhador com deficiência ou deveria ser determinado uma obrigação de meios através de um plano determinado por cada empresa como acontece em Espanha?
- Estão inscritos nos centros locais do IEFP trabalhadores com o grau de deficiência prevista na lei em número suficiente para cumprir a obrigação legal? Por exemplo, pode a ACT obrigar ao cumprimento das quotas se o número de trabalhadores inscritos for inferior à quota daquele empregador ou de todos os empregadores da região?
- O que acontece ao empregador que não consegue cumprir a sua quota porque não foram emitidos atempadamente os certificados de multiusos?
- Se a informação anual das empresas quanto ao número de trabalhadores com deficiência ao seu serviço é efetuada no Relatório Único, então a atividade inspetiva tem como finalidade apenas a vertente pedagógica ou verificação de causas de exclusão da ilicitude?
- Em caso de contratação de trabalhadores cujas limitações funcionais impliquem a necessidade de adequação ou adaptação do posto de trabalho e ou produtos de apoio, porque devem as entidades empregadoras recorrer ao INR, e ao IEFP e não alternativamente a meios próprios?
- Como sabemos, podem ser excecionadas deste regime legal as entidades empregadoras que apresentem o respetivo pedido junto da ACT, desde que o mesmo seja acompanhado de parecer fundamentado, emitido pelo INR, com a colaboração dos serviços do IEFP, da impossibilidade da sua efetiva aplicação no respetivo posto de trabalho. Sabendo que resulta das FAQs da página web do IEFP, mas não da letra da lei, pode o empregador solicitar ser excecionado do regime apenas para alguns postos de trabalho (pedido de exceção parcial)?
- Se não houver lugar à tramitação referida no ponto anterior, pode o empregador fazer prova da impossibilidade de afetação do posto de trabalho a trabalhador com deficiência? Em caso afirmativo, poderá o empregador entender que a sua quota deve ser recalculada?
- Podem ainda ser excecionadas do cumprimento da percentagem da quota os empregadores que façam prova, junto da ACT, nomeadamente através de declaração emitida pelo IEFP, que ateste a não existência, em número suficiente, de candidatos com deficiência, inscritos nos serviços de emprego, que reúnem os requisitos necessários para preencher os postos de trabalho das ofertas de emprego apresentadas no ano anterior. De acordo com as FAQs disponibilizadas pelo IEFP, este instituto “apenas emite esta declaração relativamente às ofertas de emprego que lhe são apresentadas, para o que as entidades empregadoras terão de recorrer ao IEFP para satisfazer as suas necessidades de contratação de trabalhadores, sem prejuízo de outras formas de recrutamento que adotem”. Tendo o legislador recorrido ao advérbio “nomeadamente”, tal significa que o empregador pode fazer prova por outros meios de que não teve candidatos suficientes com deficiência para o cumprimento da percentagem da quota?
O período transitório para a aplicação da lei não promoveu o debate necessário para a melhoria do texto legal. Nesta medida, na presente data, temos mais dúvidas do que certezas.
Esse facto não beneficia o verdadeiro objetivo pretendido com a implementação deste regime: aumentar a empregabilidade dos trabalhadores com deficiência. Aguarda-se reflexão sobre esta medida por parte da ACT, IEFP e do nosso legislador.
A equipa DCM | LITTLER